Economia & Mercados
06/02/2018 15:57

Entrevista/Lazari: ser presidente do Bradesco não é algo almejável, mas uma missão


São Paulo, 05/02/2018 - De office boy a presidente do segundo maior banco privado do País. Essa foi a trajetória de quase 40 anos de Octavio Lazari Júnior no Bradesco. A partir de março, ele assume o posto de quinto presidente do banco em 75 anos.

Apesar de no mercado ser visto como uma escolha natural por conta do seu recém-histórico em seguros - o próprio Trabuco veio da seguradora - ele não esperava que fosse o escolhido. Soube que seria nomeado ao posto máximo no Bradesco há uma semana. Quase caiu da cadeira. "Eu não tinha essa vaidade. Não estava nos meus planos. Estava na seguradora, estava bem lá. Ser presidente do Bradesco não é algo que você almeja como objetivo. É uma missão que é dada e você tem de assumir", disse ele, em entrevista ao Broadcast/Estadão, no quarto andar do prédio vermelho, onde fica a alta cúpula do Bradesco, na Cidade de Deus, em Osasco.

Lazari chegou ao Bradesco com 14 anos. Na época, jogava na posição de meio de campo no time do Palmeiras. Foi então que seu pai conversou com o gerente de uma agência que precisava arrumar um emprego para seu filho - que segue torcendo pelo Palmeiras ainda que não tenha emplacado a carreira de jogador de futebol. Lazari foi fazer uma entrevista no banco e passou. Começou como um escriturário, o office boy de antigamente. Passou por todas as áreas do banco e foi nomeado hoje como sucessor de Luiz Carlos Trabuco Cappi que passa a se dedicar ao Conselho de Administração do banco, da qual acumula a presidência desde outubro último, com a renúncia de Lázaro de Mello Brandão. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Broadcast - Quando o sr. soube que seria o presidente do Bradesco?
Octavio de Lazari Júnior - Soube uma semana atrás. O Trabuco estava trabalhando este assunto há bastante tempo. Há uma semana, me chamou numa sala, a sala 5, e conversou comigo. Falou da competência de todos eles, mas por uma soma de fatores, eu era o escolhido para ser o presidente do banco.

Broadcast - No ano passado, o sr. falou ao Estadão/Broadcast que não trabalhava para ser o presidente da companhia. O Trabuco falou que o seu nome foi ganhando consenso aos poucos. O sr. teve essa percepção, que seria o escolhido?
Lazari - Zero. Eu não tinha essa vaidade. Não estava nos meus planos. Estava na seguradora, estava bem lá. Ser presidente do Bradesco não é algo que você almeja como objetivo. É uma missão que é dada e você tem de assumir. Não esperava - sempre trabalhei para crescer na organização. Estou super feliz e motivado. Vou agarrar com unhas e dentes e vamos fazer um grande trabalho na organização.

Broadcast - O País passou por uma grande recessão e o que se vê pela frente são incertezas políticas. O sr. acredita que a agenda política está posta? Como o Bradesco deve atravessar esse caminho?
Lazari - Independentemente de Carnaval, Copa do Mundo e Eleição, o guidance do Bradesco vai ser buscado. Se tudo acontecer, o PIB crescer, a economia andar, vamos procurar avançar. Vamos crescer a rede (de agências), atacado, alta renda. O objetivo é buscar ganho de escala e crescimento importante.

Broadcast - Tem metas?
Lazari - Não damos guidance de lucro, mas crescimento de crédito.

Broadcast - O banco já começou a conceder crédito para as empresas envolvidas na Lava Jato?
Lazari - Se elas se recuperaram, voltaram a ter faturamento normal, não tem nada que impeça que a gente volte a operar com essas empresas. Vamos só operar com empresas que não tenham impedimento.

Broadcast - Após a divulgação do balanço do último trimestre, os analistas ficaram com uma sensação mista sobre a qualidade dos ativos do banco por conta de vira e mexe ter casos pontuais na inadimplência. Essa é uma preocupação do banco?

Lazari - O pior já passou. Teve crescimento da inadimplência em médias e grandes empresas, mas foi pouca coisa. Foi uma situação isolada, não de corporate (big empresa). Não tem nada que a gente possa falar o contrário. As provisões (para devedores duvidosos - as chamadas PDDs) que tínhamos de fazer, os impairments (de ativos financeiros) já fizemos. Estamos tranquilos.

Broadcast - Voltando à questão de Lava Jato, o Bradesco já voltou a emprestar para alguma empresa envolvida?
Lazari - Não gostaria de citar nenhuma empresa. Voltando a operar em situação normal, independentemente de quem seja, a gente vai voltar com crédito. Já temos negócio com essas empresas. Não dá para dizer que não vamos voltar a operar com elas. Essas empresas têm mais de 200 mil funcionários, crédito corporativo no Brasil e no exterior. É uma absoluta necessidade. É nesta hora que o banco precisa estar próximo, para ajudar a empresa se reerguer. São empresas altamente geradoras de emprego e precisamos pensar nisso também.

Broadcast - O Bradesco tem plano de internacionalização? O concorrente Itaú tem essa estratégia. Qual a política do Bradesco para esse assunto?

Lazari - Ao longo dos anos, o Bradesco fez compra de bancos estatais e outros ativos, como o HSBC, por exemplo. Não há na nossa cabeça ir para fora do País porque a gente entende que tem muita coisa para fazer e expandir no País. Então, não faz sentido ir para fora neste momento. Tem muita coisa para se capturar. Nos últimos quatro a cinco anos, passamos por uma crise severa econômica e política e foi no momento que compramos o HSBC. Temos uma grande rede de agências com mais de 5 mil unidades. O País entrando numa rota de crescimento sustentável ao longo do tempo, nós vamos capturar todo esse benefício. Somos um banco que tem mais de 30 milhões de clientes.

Broadcast - Há aquisições no pipeline no mercado interno?
Lazari - Não. Não tem nada no mercado que nos interessa no momento. O último grande banco foi HSBC. Temos de dar foco no que construímos agora.

Broadcast - Qual o desafio de substituir o Trabuco no banco que tem mais de R$ 1 trilhão em ativos?
Lazari - Isso eu não tenho numa dúvida e falo com tranquilidade. Para mim, é uma honra porque estou substituindo nomes icônicos no banco e na seguradora. Braguinha (Antonio Carlos de Almeida Braga), Marco Antonio Rossi, (Luiz Carlos) Trabuco. Um baita de um orgulho. Ser o quinto presidente de um banco de 75 anos de idade e estar na galeria de Amador Aguiar, Lázaro Brandão, Trabuco, Marcio Cypriano não será nada fácil, mas tenho em quem me inspirar. Prefiro ter essas pessoas do meu lado! O Trabuco, antes de ser um grande gestor, é um ser humano fantástico como pessoa, inteligente e tem uma sabedoria invejável. Mas eu tenho ele perto de mim para me inspirar. Eu tenho essa humildade para aprender com ele.

Broadcast - Quando ele te chamou para conversar há uma semana, você imaginou que o assunto fosse esse?
Lazari - Ele sempre me chamava para conversar diariamente sobre a seguradora. Quando ele me falou sobre o assunto, eu quase caí das pernas, da cadeira. Ele foi me explicando - estávamos só nos dois. É um dom do Trabuco, ele é muito transparente. Ele passou por todos os setores. Foi o que ele falou, uma conjunção de competências... todos os sete tinham.

Broadcast - O sr. manteve sigilo? Os outros seis souberam?
Lazari - Trabuco falou com todo mundo.

Broadcast - Como foi chegar em casa e contar para família? O Sr. é casado? Tem filhos?
Lazari - Sou casado com Silmara, tenho dois filhos - Renan e Carol, e dois cachorros.

Broadcast - O pior do Brasil ficou para trás? Tivemos casos emblemáticos de grandes empresas que acabaram partindo para recuperação judicial como Oi e PDG. Hoje, as grandes recuperações ficaram no passado?
Lazari - Acho que já passaram porque o clima econômico e financeiro começou a melhorar. Antes, era quase toda semana, todo dia. Hoje, já não ouvimos falar tanto em pedidos de recuperação judicial. As empresas voltaram a se reequilibrar. Gorduras foram queimando para poder se ajustar. Estamos no começo de uma escala suave que o País vai fazer para voltar a crescer. Ela é bem suave e está no comecinho, mas o cenário de nuvens negras que tínhamos, de inflação e taxa de juros altas, já ficaram para trás e acredito que vamos ter um cenário bem melhor daqui para frente.

Broadcast - O senhor já inicia o mandato de presidente do Bradesco com o desafio de definir funções e cargos de vice-presidentes, do Conselho de Administração e da seguradora do banco. Algo já está definido?
Lazari - Estou conversando diariamente com o Trabuco sobre esse assunto. Já temos algumas ideias, mas nada está formatado ainda. Agora que, de fato, fui nomeado, vamos conversar com todos (executivos), avaliar as expectativas de cada um, o que gostariam, na seguradora a mesma coisa. Vamos fazer isso durante o mês de fevereiro e março, até o dia 12. Dá trabalho porque são muitas áreas, mas será um desafio bom de fazer porque faremos junto com todo mundo, os vice-presidentes que vão para o Conselho ou não.

Broadcast - Depois de cortarem mais de 500 agências no ano passado e ao mesmo tempo lançarem o Next, qual o futuro do Bradesco na era digital?
Lazari - Não é poesia. Temos quatro gerações de clientes que convivem todo dia com o banco: boomers, baby boomers e as gerações X e Y e a Z. Temos de saber conviver com isso. Os clientes boomers são pessoas mais estabelecidas, tem sua carreira, estão estabelecidos e alcançaram posição de destaque e, portanto, são clientes muito mais rentáveis. Eu não posso simplesmente virar as costas para esses clientes e dizer que o futuro é a tecnologia. A tecnologia serve e está em função do negócio. Serve para gerar conveniência para os clientes. A tecnologia é um meio. Não é um fim. É preciso saber usar a tecnologia. Eu sou um baby boomer e gosto de pegar meu celular e ver quando vence os meus seguros, pagar uma conta. Preciso entregar essa experiência ao meu cliente para fazer aonde e como ele quiser. Se preferir a agência física, também terá à sua disposição. Essa é a sabedoria: saber lidar com todos os públicos. Não é uma geração de cliente que vai dar o retorno de um banco de R$ 20 bilhões de lucro no ano. Temos de tratar os clientes quase que um a um. Não posso tratar de maneira igual os diferentes.

Broadcast - Passada a crise, o senhor acredita que o Brasil continuará vivendo um movimento de consolidação e aquisições nas empresas. O País está barato?
Lazari - Não tenha dúvida. O mercado está muito líquido no mundo inteiro. Com a taxa de juros baixa nos Estados Unidos, há muitas oportunidades haja vista as aberturas de capitais que aconteceram aqui e a demanda que tiveram. O próprio ressegurador IRB Brasil Re (do qual o Bradesco é sócio) é um exemplo. O Brasil ainda é um País que está barato, onde as empresas podem receber investimentos e os investidores podem investir em troca de um retorno melhor como no Japão, Europa e Estados Unidos.

Broadcast - Há bons ativos à venda no Brasil?
Lazari - Sim. O Brasil tem bons ativos à venda e investidos. Há muitos negócios que precisam e necessitam de injeção de capital não só de banco, mas de acionista para que determinadas empresas possam ganhar corpo. Quando olhamos para infraestrutura, energia elétrica, gás, há muita coisa para ser feita no Brasil.

Broadcast - Bradesco e Itaú sempre competiram em ativos. O banco encostou no concorrente com o HSBC, mas o Itaú voltou a se distanciar com CorpBanca e Citi. Na outra ponta, o Santander já encostou no Bradesco em termos de retorno. Que tamanho o banco quer ter no Brasil?
Lazari - O Bradesco tem condições de crescer em ativos no Brasil. Isso não acontece do dia para a noite, mas é um trabalho de longo prazo. Precisamos crescer e entregar retorno para o nosso acionista e isso se faz ganhando escala. Não tem outro jeito. Com taxa de juros de 7%, não tem mais o benefício de ganho financeiro no Brasil.

Broadcast - Como o senhor vê o cenário político no Brasil com eleições presidenciais neste ano?
Lazari - Não dá para falar. Temos de esperar o que vai acontecer. Independentemente dos candidatos (que vão disputar a presidência), a agenda está aí. Não dá para fugir. Não tem como não mexer nas reformas da Previdência, Fiscal e Política. É condição sine qua non. (Aline Bronzati e Mônica Sacaramuzzo - aline.bronzati@estadao.com e monica.scaramuzzo@estadao.com)
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso