Economia & Mercados
11/06/2021 11:06

Especial: Melhora fiscal deve ajudar trajetória da dívida, mas nível alto requer disciplina


Por Thaís Barcellos

São Paulo, 11/06/2021 - A melhora recente nas estatísticas fiscais do País traz alívio à dívida pública. A chance de uma trajetória explosiva diminui com a perspectiva de que a dívida fique mais próxima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, contra previsões em torno de 90% antes. Analistas, porém, alertam que é preciso evitar euforia. O endividamento do Brasil ainda vai continuar alto e destoante da média de países emergentes, o que exige manter a trilha da rigidez fiscal e das reformas econômicas.

Para alguns economistas consultados pelo Broadcast, o principal motivo da melhora é a inflação, que ajuda a aumentar as receitas do governo via arrecadação de impostos. Mas também há quem destaque o crescimento econômico maior, entre outras medidas, ainda que a última reforma de fôlego aprovada no âmbito fiscal tenha sido a da Previdência.

Ontem, o Itaú Unibanco reforçou o grupo das instituições financeiras que melhoraram nos últimos dias as projeções para a relação dívida/PIB este ano, ao reduzir, pela segunda vez, sua estimativa. Agora, caiu de 84,1% para 81,9%. Para 2022, a previsão do banco passou para 81,6%. O JPMorgan e o Bradesco projetam 84,6% em 2021, e Bank of America, 84,3%. A média dos emergentes, porém, é de 65,1%, conforme a última projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para este ano, em abril.

O ex-secretário do Tesouro Nacional e diretor do ASA Investments, Carlos Kawall, espera que a dívida fique em 83,50% do PIB em 2021, com um deflator do PIB de 10%. Depois, voltaria a subir, alcançado 84,7% entre 2022 e 2023, da onde começaria a ceder, sob as premissas de manutenção do teto de gastos, crescimento de 2,5% do PIB e juro neutro, em 6,50%. No cenário, Kawall já vislumbra um superávit primário pequeno em 2024, inferior ao necessário para estabilizar a dívida, de 0,70% do PIB.

No Itaú, o especialista em contas públicas Pedro Schneider pondera que é preciso tomar cuidado com a dinâmica, a depender do cenário para os juros que incidem sobre a dívida e da continuidade da disciplina fiscal. Schneider lembra que as expectativas de juros do mercado estão mais altas frente ao começo do ano e que há dúvidas sobre a política econômica no próximo governo.

"Esse momento de melhora fiscal não pode se transformar em uma euforia que leve a uma flexibilização do rigor fiscal. O Brasil é um país emergente de dívida alta. Se não tomar cuidado, vai ser um país emergente de dívida alta, juros altos e crescimento baixo."

Nos últimos meses, a arrecadação e o resultado primário têm batido recordes para o período. E a dívida bruta alcançou em abril 86,70% do PIB - o menor valor desde julho de 2020 (84,5%). Em março, a razão era de 88,90% e, em dezembro de 2020, de 88,80%.

A dívida mais baixa decorre de despesas mais contidas no início do ano, juro real negativo e transferências dos bancos públicos, como o BNDES, além do crescimento econômico e inflação mais alta nas receitas do governo. Há ainda um efeito excepcional da pandemia de covid-19, na qual a recuperação mais forte é a da indústria, que é mais tributada.

Já o denominador da relação dívida/PIB é favorecido também pelo deflator, a medida de inflação dentro do PIB, que deve superar o IPCA e pode ficar próximo de 10%, pois é influenciado pelos preços de produção. Assim, deve refletir mais, por exemplo, a escalada de preços de commodities. O deflator do PIB este ano pode ser o maior desde 2003 (14,10%).

Em evento virtual do JPMorgan, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mostrou que a inflação explica 10 pontos porcentuais do crescimento de 25% da receita líquida do governo central no primeiro quadrimestre do ano ante o mesmo período de 2020. Oito pontos viriam de fatores não recorrentes e apenas 5 pontos estariam relacionados a questões recorrentes ligadas ao PIB real. Daí há quem diga que a melhora é circunstancial, como Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC, embora compre tempo para que o País aprove reformas.

O economista-chefe da RPS Capital, Gabriel de Barros, diz que "não podemos achar que o problema fiscal acabou porque tem uma situação favorável de commodities". "Nem podemos dizer que tudo continua exatamente igual, porque é um efeito contábil", emenda. Ele lembra que de 2000 a 2010, o boom de commodities facilitou "demais" o quadro fiscal. "De 2011 a 2020, além dos equívocos de política econômica, não há como negar que houve devolução da valorização das commodities", afirma Barros, que projeta a dívida em 82% do PIB em 2021.

Schneider, do Itaú, diz que 45% da surpresa com a arrecadação deve-se ao crescimento econômico mais forte do que o mercado esperava e os outros 45% referem-se a impostos ligados ao mercado de trabalho e ao lucro das empresas. Os 10% restantes são fatores atípicos, como, por exemplo, a outorga maior em algum leilão. "Metade é permanente, o crescimento do PIB, e metade é não recorrente ou extraordinário."

As despesas obrigatórias ajudam, principalmente com Previdência e pessoal ativo, que têm ficado abaixo do esperado. Nesse quesito, Schneider afirma que o gasto com a Previdência tem diminuído por causa da reforma aprovada em 2019 e também pelas mortes da população idosa por covid-19. Em seus cálculos, há redução de R$ 4 bilhões ao ano com pagamento de aposentadorias por efeito da pandemia - em um universo de cerca de R$ 700 bilhões. No funcionalismo, sem concurso público há anos, a queda de servidores explica a despesa contida.
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