Economia & Mercados
21/06/2021 13:57

Falhas em planejamento, operação e no modelo de preços explicam crise no setor elétrico


Por Anne Warth e Marlla Sabino

Brasília, 19/06/2021 - Em meio à pior crise hídrica dos últimos 90 anos, o País volta a discutir os riscos de ter apagões e também apelar a um racionamento, alternativa que foi usada pela última vez há 20 anos. Falhas no planejamento e na operação do sistema elétrico, bem como no modelo de formação de preços de energia, são apontadas como as causas por trás da situação que já afeta a inflação, ameaça o crescimento econômico e pode colocar em xeque o projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Presidente da PSR, maior consultoria de energia do País, Luiz Barroso afirma que o planejamento do setor é centrado na chamada garantia física, indicador que traduz quanto uma usina contribui para a segurança do suprimento. "O problema é que, no Brasil, a garantia física nem garante, nem é física", diz. Ele explica que a garantia física é calculada com base em modelos computacionais que precisam ser aperfeiçoados - a metodologia foi definida em 2004. "Ela não representa a expectativa de produção de uma usina, e sim seu valor econômico ao sistema", disse.

Um exemplo é Belo Monte, no Pará, que possui uma garantia física de 4.571 megawatts médios. O número, porém, não representa com precisão a característica de uma usina a fio d'água e que depende das chuvas: nos meses úmidos, ela gera o triplo da energia produzida em meses mais secos, em que a capacidade é de 1.963 megawatts médios. Isso significa que nos meses úmidos, Belo Monte gera o suficiente para abastecer o consumo de famílias e empresas dos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Já nos secos, a produção é capaz de suprir apenas o Pernambuco.

Se não traduz efetivamente o que ocorre com a geração de energia, a garantia física é usada como referência para o quanto elas podem vender em contratos - ou seja, possui importância comercial. É por isso que há resistência a qualquer iniciativa do governo de recálculo das garantias físicas e de ajuste desses números para patamares mais realistas. Nos últimos 20 anos, destaca Barroso, houve apenas uma revisão, em 2017, e ainda assim muitas empresas foram à Justiça para não perder receita. Uma garantia física superestimada, como a que o País tem hoje, significa, também, menor necessidade de contratação de mais usinas em leilões para ofertar energia porque o sistema diz que a quantidade é suficiente.

Além disso, o modelo de cálculo de preços, também usado para estimar a garantia física, não representa em detalhes o parque gerador, de forma individualizada. Tampouco é alimentado com dados que mostrem restrições que acontecem na prática, como as mudanças climáticas, que reduzem a quantidade de chuvas, e o uso múltiplo das águas, que determina que uma usina libere mais água do que acumula em seu reservatório e mantenha uma geração mínima, mesmo numa seca, para uma hidrovia seguir em funcionamento.

Outro fator que a Barroso destaca é que a performance das hidrelétricas tem sido pior do que o esperado já há alguns anos. Em 2010, a sua consultoria estimou que as usinas gastavam 4% a mais de água do que o necessário para produzir um mesmo megawatt-hora - hoje, gastam 2%. Entre as hipóteses que podem explicar esse fenômeno estão assoreamento de reservatórios, turbinas antigas e até roubo de água para irrigação e piscicultura, além de restrições não capturadas no modelo de planejamento e operação.

"Em muitas usinas, não conseguimos armazenar mais água porque precisamos manter um fluxo mínimo de água para atender outros usos, por exemplo. E isso não é bem representado no cálculo da garantia física pela simplificação do modelo", afirmou. "Em momento de estresse, o ideal é fechar o ralo para encher a pia, mas isso não é simples."

Para ele, a operação do sistema vai mudar muito, com hidrelétricas como bateria, compensando a geração das fontes intermitentes, como solar e eólica. "As renováveis ajudam a compensar a variabilidade das hidrelétricas. Tudo isso precisa ser considerado no planejamento", afirmou.

O ex-diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) Luiz Eduardo Barata concorda. Ele defende a expansão do parque de eólicas e solares para reduzir a dependência das hidrelétricas. "As térmicas nos ajudam a reduzir esse tipo de problema, mas continuo achando que não são a solução. Precisamos colocar mais fontes renováveis, como eólica e solar, a ponto de recuperar os níveis dos reservatórios", afirma.
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