Economia & Mercados
08/02/2021 09:57

Empresas de tecnologia viram queridinhas da Bolsa com investidor entendendo o setor


Por Felipe Laurence e Guilherme Bianchini, especial para o Broadcast

São Paulo, 08/02/2021 - A B3 não é mais território hostil para as empresas de tecnologia, que viraram as novas queridinhas do mercado. Apesar de ainda ser dominada por ações de bancos e ligadas a commodities, cinco ofertas publicas (IPOs, na sigla em inglês) muito bem recebidas pelos investidores no período de um ano parecem ter acabado com o estigma de que companhias do setor teriam de olhar para os Estados Unidos quisessem abrir capital.

Em sua estreia na Bolsa na sexta-feira, 5, as ações da Mosaico, operadora dos sites Buscapé, Zoom e Bondfaro, chegaram a bater alta de 96%, após a demanda pelas ações superar em 20 vezes a oferta do IPO. Outras entrantes mais recentes também tiveram valorização recorde em relação ao preço estabelecido na oferta: Méliuz e Enjoei, que estrearam na B3 em novembro, sobem 241% e 103,9%, respectivamente, enquanto Neogrid acumula ganho de 93,7% desde sua entrada, em dezembro.

No entanto, o caso mais emblemático é o da Locaweb, empresa de serviços de internet para o segmento de pequenas e médias empresas (PME). Ela valorizou mais de 500% desde sua estreia em fevereiro do ano passado, antes de a ação ser desdobrada na proporção de quatro para uma, como forma de aumentar a liquidez na Bolsa. Um elo entre as cinco empresas é que todas estão ligadas à digitalização forçada trazida pela pandemia, o que aumentou suas receitas e o interesse por perspectivas de forte crescimento.

Thiago Maceira, chefe do núcleo de tecnologia no Itaú BBA, afirma que o sucesso das empresas de tecnologia na B3 é uma evolução natural na especialização do investidor e da economia como um todo. "Obviamente a pandemia acelerou esses processos, mas a digitalização da economia vem desde a popularização do 4G, e a tecnologia acabou deixando ser uma vertical isolada para ser algo que permeia todos os setores e os investidores são 'obrigados' a entender esse mercado para gerirem suas carteiras", diz.

A opinião é compartilhada por Lucas Chaise, que coordena a cobertura de tecnologia no Investment Banking da XP Investimentos. "Em um momento de pandemia, com as ações mais tradicionais virando de ponta cabeça, os gestores tinham poucas opções de empresas do setor para blindarem seus portfólios e criaram essa forte demanda", diz. Para ele, o tombo maior do Ibovespa na crise, em relação a seus pares internacionais, foi a pouca exposição em tech.

Os analistas afirmam que o conhecimento maior do investidor brasileiro sobre o setor praticamente eliminou o principal gargalo na hora de uma empresa de tecnologia decidir se vai abrir o capital aqui ou em Nova York: o valuation. "O gestor brasileiro hoje é tão experiente quanto o lá de fora. Teses ligadas a e-commerce ainda sãos mais fáceis de entender, mas de 12 a 24 meses para cá cresceu bastante também a especialização em SaaS (software como serviço)", afirma Chaise.

Leonardo Rangel, co-CEO da Cortex, startup de inteligência para marketing em vendas, diz que o investidor brasileiro não lidava bem com empresas de tecnologia porque não entendia o conceito de SaaS e como uma empresa poderia gerar dinheiro sem isso resultasse em Ebitda, até pouco tempo atrás. "Eram obrigadas a abrir capital lá fora, como na Nasdaq", afirma.

A percepção de Israel Salmen, CEO do Méliuz, durante os roadshows (apresentações para fundos e gestores) é que investidores estrangeiros ainda entendem mais as histórias das empresas de tecnologia, mas que o interesse de fundos locais era enorme pela startup de cashback. "De certa forma, o roadshow nunca termina porque, com a valorização da ação, nosso time de relacionamento está sempre conversando com investidores para explicar nossa tese (perspectivas da empresa)", diz ele.

Desenvolvedora de softwares para gestão de estoques, a Neogrid também viu interesse dos investidores locais na preparação para sua oferta, apesar do aspecto mais "árido" de suas operações. "Enviamos a mensagem clara que essencialmente a gente tem uma malha de distribuição de informações entre varejistas, distribuidoras e indústria", diz Eduardo Ragasol, CEO da empresa catarinense. "Esse 'petróleo da informação' é o grande ativo da empresa e foi percebido pelos investidores."

Segundo Maceira, do Itaú BBA, o sucesso dessas ofertas cria um movimento positivo, que força outras empresas de tecnologia a olharem o mercado de capitais como alternativa. "O ecossistema de tecnologia vai se fortalecer como um todo, investidores vão aportar mais dinheiro em fases pré-IPO pela alta possibilidade de retorno, o que gera mais startups, que por sua vez viram unicórnios, e que abrem capital", diz.

B3 x Nasdaq

Se na questão do valuation a disparidade de conhecimento entre os investidores locais e internacionais diminuiu, um ponto mais técnico ainda pesa na hora de uma empresa de tecnologia decidir entre fazer sua oferta na B3 ou na Nasdaq, em Nova York. XP e Stone realizaram seus bem sucedidos IPOs lá fora e unicórnios como Nubank e Vtex planejam abrir capital nos Estados Unidos em 2021.

"Nos Estados Unidos existe a figura da ação com supervoto, algo que precisamos discutir com mais calma no Brasil, porque é uma realidade de empresas que recebem várias rodadas de investimento pré-IPO, diluindo seu controle acionário", diz Chaise, da XP. De acordo com ele, o instrumento é necessário para que os fundadores da empresa não percam a posição majoritária, uma vez que fundos que fizeram aportes normalmente saem das empresas na oferta, tornando essas ações free float.

Salmen, CEO do Méliuz, afirma que a escolha pela B3 se deu por questões práticas. "Antes de iniciarmos o processo do IPO, vimos a percepção do mercado quanto ao nosso negócio, que existia demanda e seria mais do que perfeita para nossas ambições", diz. Ragosol, da Neogrid, afirma que o fato de 70% dos clientes da empresa serem brasileiros, influenciou na hora de fazer o IPO aqui.

Contato: felipe.laurence@estadao.com
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