Economia & Mercados
12/04/2022 09:32

Especial: Desova de US$ 95 bi mensais do Fed pode afetar emergentes e é alerta de recessão


Por Aline Bronzati

São Paulo, 11/04/2022 - O início do desmonte do balanço de ativos do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) inflado durante a pandemia deve desencadear um movimento de reprecificação dos ativos globais, exigindo mais prêmio daqueles que representam um risco maior aos investidores, o que pode afetar países emergentes, dentre eles, o Brasil. A autoridade monetária dos EUA pretende vender até US$ 95 bilhões mensais a partir de maio, de um total de quase US$ 9 trilhões, uma estratégia complementar à subida de juros no país, no intuito de diminuir a demanda doméstica e evitar que a elevada inflação se espalhe pela maior economia do mundo.

O montante ensejado pelo Fed, conforme a ata do encontro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) de março, é quase o dobro do visto no último movimento que o BC americano fez de redução de seu balanço, em 2017, quando colocou nos mercados até US$ 50 bilhões mensais. Vale lembrar que o saldo total também é superior ao da época. Entretanto, ao indicar que será agressivo e ágil na venda de títulos, conforme ficou claro na ata, a autoridade monetária reforçou a leitura já precificada nos mercados, de que atuará com rigor para conter a inflação nos EUA, o que tende a impactar outras geografias.

Dentre os principais afetados, de acordo com especialistas ouvidos pelo Broadcast, estão os países emergentes, grupo que inclui o Brasil. Isso porque à medida que os ativos dos Estados Unidos oferecem retornos mais altos, aqueles que embutem um risco mais elevado terão de subir o prêmio para impedir que os investidores fujam e procurem seu porto seguro em outro território, neste caso, a maior economia do mundo.

"A tentativa do Federal Reserve de acalmar a demanda nos EUA pode ter o efeito indireto de reduzir a demanda de mercados emergentes também. Isso aumenta o risco, por exemplo, de uma recessão na América Latina", diz a economista e professora de finanças da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Laura Veldkamp.

De acordo com o economista-chefe para os Estados Unidos do Citi, Andrew Hollenhorst, esse é o efeito mais potente dos impactos da redução do balanço de ativos do Fed para os mercados emergentes. Além deste, cita ainda a valorização do dólar, que pode ser menos preocupante para alguns países da América Latina que estão avançados no ciclo de aperto monetário, caso do Brasil, e a redução da liquidez em moeda americana, o que elevaria as pressões de financiamento ao redor do globo, em parte compensadas pela "super abundância" de recursos no cenário atual, explica ele.

"Se as compras de ativos foram feitas para levar os investidores a comprarem títulos mais arriscados, a venda pode levar a um aumento generalizado no desconto que os investidores exigem para manter ativos de risco", afirma Hollenhorst, em entrevista ao Broadcast. Ele faz ainda outro alerta. A grande diferença da venda de ativos do Fed agora para o último ciclo, observa o economista do Citi, é o fato de que a inflação dos Estados Unidos está bem acima da meta, o que abre a possibilidade de a autoridade monetária ser ainda mais agressiva para apertar as condições financeiras do país.


Foto: Divulgação - economista-chefe para os Estados Unidos do Citi, Andrew Hollenhorst.

O diretor de renda variável para a América Latina do Goldman Sachs, Juliano Arruda, compara o cenário atual a "placas tectônicas" do mercado de capitais mundial que, ao se mexerem no mesmo momento, causam um impacto "muito grande", vide a elevada volatilidade nos mercados. Além da redução do balanço de ativos do Fed, a invasão russa à Ucrânia, há quase um mês e meio, causou um choque nos preços das commodities e elevou os riscos geopolíticos.

"A venda de ativos por parte do Fed adiciona mais um componente que pode levar a um aperto maior das condições financeiras. Será que o Fed conseguirá fazer tal engenharia sem gerar uma recessão nos EUA?", questiona Arruda. Pesquisa do Goldman Sachs com 1.500 investidores institucionais mostra que um pouco mais da metade dos entrevistados acredita que os EUA enfrentarão uma recessão neste ou no próximo ano.

Há dois cenários, na visão de Arruda. No primeiro, o Fed é bem-sucedido ainda que percorra um "corredor estreito" e consegue colocar na inflação nos trilhos no segundo semestre do próximo ano, com a economia dos EUA crescendo um pouco em 2023. No segundo, mais pessimista, a maior economia do mundo entraria em recessão, o que desencadearia um movimento de aversão a risco por parte dos investidores e pesaria nos países emergentes.

Quanto ao efeito para o Brasil, o diretor de renda variável do Goldman Sachs diz que depende muito da magnitude que uma eventual recessão poderia ter nos EUA, considerando que a economia brasileira é fechada e que o peso do País nos fundos globais ou que investem em mercados emergentes segue o mais baixo da média dos últimos dez anos. O Goldman prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vai crescer apenas 0,6% neste ano e 1,4% em 2023, com uma inflação acima dos 6% até o primeiro trimestre do próximo exercício.

O próprio presidente do Fed em St. Louis, James Bullard, admitiu, na semana passada, que a confluência de inflação alta e política acomodatícia colocou a autoridade monetária dos EUA em uma "posição difícil". Segundo ele, a redução do balanço de ativos da instituição deve aliviar a pressão sobre os rendimentos de longo prazo e, consequentemente, conter o achatamento da curva de juros dos EUA.

Bullard e a diretora do Federal Reserve, Lael Brainard, ajudaram a incendiar os mercados na semana passada ao sinalizarem que a autoridade poderia ser mais agressiva no aperto monetário nos EUA. Para a Oxford Economics, eles foram o que classificou como os The Fed's killer Bs , ou "Os Bês assassinos do Fed", na tradução livre.

"Atenta" a possíveis sinais de uma recessão nos EUA, Brainard defendeu que o balanço do Fed deve ser reduzido "de modo consideravelmente mais rápido agora" em relação a movimentos anteriores, já em maio, o que foi confirmado com a ata da reunião do Fomc de março.

O holandês ING vê o Fed iniciando o desmonte de ativos em um ritmo menor que a cifra máxima. Conforme suas previsões, o Federal Reserve daria início ao movimento com uma venda de US$ 30 bilhões no mês de maio e faria aumentos regulares até chegar nos US$ 95 bilhões em setembro, limite mensal divulgado pela autarquia. Do total, serão até US$ 60 bilhões em treasuries, títulos do tesouro americano, e um limite de US$ 35 bilhões dos chamados Mortgage Backed Securities (MBS), títulos lastreados em hipotecas e bastante populares nos EUA.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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