Economia & Mercados
07/06/2022 12:33

Especial: Crise faz 'conta chegar' para empresas endividadas e indica nova onda de renegociação


Por Cynthia Decloedt*

São Paulo, 06/06/2022 - Uma onda de renegociações de dívidas se aproxima, com várias das empresas que vinham arrastando problemas ou operavam no limiar da capacidade de geração de receitas ficando encurraladas. A expectativa é de que a curva de pedidos de recuperação judicial comece a apontar para cima a partir do segundo semestre e não só ela, mas também das recuperações extrajudiciais. As estratégias de fusões e aquisições (M&A) também têm sido discutidas de forma crescente como uma saída, de acordo com especialistas.

Os setores de construção e varejo aparecem entre os que já estão em busca de soluções. Com a inflação alta e o juro em dois dígitos, as margens ficam pressionadas. Como consequência, bancos e outros financiadores deixaram de rolar dívidas e conceder crédito com a mesma facilidade dos dois últimos anos.

"A conta chega um dia; a recuperação econômica não acontece e a inflação é alta", comentou o sócio da área de Reestruturação e Insolvência do Lefosse, Felipe Camara. Ele defende que a perspectiva é de que as recuperações extrajudiciais, que historicamente ocupavam entre 1% e 2% do volume total de recuperações judiciais, poderão aumentar em 10 vezes. Na recuperação extrajudicial, as negociações são feitas com um número menor de credores do que na judicial. Basta que um plano de reestruturação seja aprovado por 50% deles. Os demais são arrastados a aceitar a decisão da maioria.

"Anteriormente, para uma renegociação bastava reunir os cinco grandes bancos. Mas esse cenário mudou nos últimos cinco anos, com o mercado de capitais tendo ganhado relevância entre credores das empresas", diz Camara. Ele lembra ainda que há empresas com centenas de pessoas físicas entre seus credores, que têm títulos de empresas como debêntures, certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA). "Muitas vezes não dá para juntar todos em uma sala e resolver", acrescenta.

Setores

A construtora Tenda, por exemplo, uma das maiores operadoras do programa Casa Verde e Amarela, sentiu o peso da disparada nos custos de construção e viu, no ano passado, um estouro de orçamento de meio bilhão de reais. Por isso, está chamando uma assembleia com debenturistas para pedir permissão para alterar o compromisso de não ultrapassar os 15% a relação entre dívida corporativa (sem contar financiamento à produção) e o patrimônio líquido. No primeiro trimestre, essa relação já bateu em 33%.

A BR Properties, mesmo saudável, vendeu mais de 80% de sua carteira de prédios corporativos para reduzir seu endividamento e despesas com juro, que vinham começavam a comprometer seu resultado financeiro. Com a venda para a Brookfield, levantou perto de R$ 6 bilhões, na maior transação já feita de prédios corporativos.

No varejo, especialmente de moda, há vários casos que se arrastam. A Restoque, dona das marcas Le Lis Blanc, Dudalina e John John, contratou recentemente a consultoria Alvarez & Marsal para renegociar com credores um plano de recuperação extrajudicial fechado em 2020. Os credores pedem agora ações da empresa. Também em constante negociação com credores está a Inbrands, que manobra debenturistas que gostariam de alterar a garantia dos papéis para marcas mais valiosas, como Richards ou Ellus.

Em trégua

Os números de pedidos de recuperação judicial e de falências tem se mantido controlados, inclusive caíram no ano passado como efeito dos programas do governo para aliviar a pressão causada nos negócios pela pandemia. O esperado é que tanto os números de recuperação judicial, quando de extrajudicial, subam já no segundo semestre.

"O primeiro semestre é um momento de definição para este cenário. Poucos estão dispostos a esperar mais diante de um ambiente macroeconômico que não é favorável", afirmou o sócio das áreas de Reestruturação & Insolvência e Bancário, Operações & Serviços Financeiros do Lefosse, Roberto Zarour.

Para ele, nem mesmo a abertura de uma nova fase do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) ou o novo programa de financiamento para empresas com receita bruta atual de até R$ 300 milhões, o chamado Programa de Estímulo ao Crédito (PEC), ambos no final de maio, aliviam a pressão. As estimativas do governo são de que R$ 50 bilhões possam ser emprestados às empresas pelo Pronampe.

Mas para o advogado, isso não deverá frear tal onda. "Grande parte das empresas que recorre à recuperação judicial e extrajudicial em cenários de crise tem faturamento anual superior ao elegível pelos programas", observa Zarour. Ele pontua ainda que, adicionalmente, o Programa de Estímulo ao Crédito (PEC) prevê a destinação de 70% dos recursos para empresas bem menores, com faturamento anual pouco acima de R$ 4 milhões.

"O problema está na inflação, que pressiona os custos, e no consumo atingido também pelo desemprego", cita o sócio-fundador da Pantalica Partners, Salvatore Milanese. Ele inclui entre os casos que começam a aparecer às repactuações de planos de recuperação judicial e extrajudicial já homologados. "São empresas que, devido à crise não conseguiram honrar compromissos, algumas delas buscando operações de M&A para levantar recursos", observou.

*colaboraram Talita Nascimento e Circe Bonatelli

Contato: Cynthia.decloedt@estadao.com
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