Economia & Mercados
22/09/2020 17:05

Especial: Escalada da covid no mundo e novos bloqueios elevam temor com recuperação econômica


Por Aline Bronzati e Thaís Barcellos

São Paulo, 22/9/2020 - A nova escalada de casos de covid-19 em vários países e, por consequência, a adoção de medidas mais restritivas para conter uma segunda onda pandêmica reforçam o coro de temor global quanto ao enfraquecimento do processo de recuperação econômica em curso. Economistas descartam a reversão do movimento de retomada, ao menos por ora, mas, com o risco crescente de novos bloqueios regionais, já esperam desaceleração substancial no ritmo atual, postergando ainda mais o retorno da atividade ao nível pré-pandemia.

O alerta é crescente e tem sido reforçado por bancos e consultorias no Brasil e no exterior, além de se refletir no humor dos mercados. "Os problemas de contenção de vírus nos Estados Unidos e em países emergentes são somados ao número crescente de casos na Europa", alerta o J.P.Morgan, em relatório. O banco americano vê o movimento de recuperação global ainda forte, mas incompleto em meio ao risco de novos bloqueios e à falta de munição dos governos para responder ao movimento de retomada.

A preocupação com uma segunda onda de contaminações por covid-19 é crescente na Europa. No último fim de semana, a França bateu o recorde de novas infecções em 24 horas enquanto o Reino Unido atingiu o maior índice desde 8 de maio. Os números têm feito os países a adotarem novos bloqueios locais e aumentam a tensão de um segundo lockdown nacional, o que seria um desastre para a recuperação das economias da região, alertam economistas.

Hoje, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou novas medidas restritivas, limitando o horário de funcionamento de bares e restaurantes até às 22 horas, por exemplo. Ele ainda alertou os britânicos de que o país não deve esperar um retorno à normalidade social por pelo menos seis meses. Na Espanha, 850 mil moradores de Madri e da região metropolitana não poderão deixar seus bairros por duas semanas, a não ser para tarefas essenciais.

Nas contas da consultoria inglesa Capital Economics, as medidas já anunciadas têm impacto pequeno, de apenas 0,2 ponto porcentual na leitura mensal do PIB. "Mas se as medidas anunciadas hoje se mostrarem insuficientes e forem um presságio de um bloqueio de duas semanas, a projeção para o PIB do quarto trimestre pode ser cortada em 2,5 pontos", diz, em relatório. Já, em outubro, o impacto negativo seria da ordem de 8 pontos porcentuais.

Cicatrizes

Em relatório intitulado "Stop, go, stop" (para, vai, para, na tradução livre), o Bank of America (BofA) apontou riscos negativos para o Reino Unido e revisou suas projeções econômicas para 2020 e 2021. "Uma recuperação mais lenta também significa mais cicatrizes a longo prazo", alerta o banco, mencionando o aumento de casos em meio ao crescimento de reservas em restaurantes no fim de agosto como um eventual multiplicador negativo das medidas de estímulo do governo, e ainda os reflexos do Brexit, como é chamada a saída do Reino Unido da União Europeia.

O crescimento de contaminações do novo coronavírus em alguns países e o fato de as famílias e as empresas ainda estarem cautelosas deve enfraquecer a "rápida retomada" da atividade econômica vista inicialmente, na visão da Capital Economics. China e Coreia do Sul estão entre as que se recuperaram mais e devem continuar na liderança, de acordo com a Capital Economics, enquanto a Índia e as economias do sul da Europa e da América Latina ficam para trás.

"Os principais indicadores econômicos continuam a refletir a recuperação nas principais geografias, como Estados Unidos, China e União Europeia, embora a incerteza em torno da covid-19 se sobressai", reforça o Citi, em relatório. "Recentes aumento de casos na Europa, por exemplo, podem representar riscos para o crescimento e recuperação."

A também inglesa Oxford Economics lembra que a recuperação econômica segue ininterrupta, mas tem diminuído o ritmo. Nos dados, um sinal desse freio na recuperação já pode ser observado nos PMIs (Índice de Gerentes de Compra, na sigla em inglês), que costumam antecipar movimentos na atividade. Em países como a Espanha, onde o crescimento de casos recente tem surpreendido, principalmente nos arredores de Madri, é claro o repique.

O PMI Industrial espanhol caiu a 49,9 em agosto, ficando abaixo do nível neutro de 50. No setor de serviços, a situação é pior, com queda de 51,9 para 47,7 entre julho e agosto. Na zona do euro, também houve redução no último mês no PMI Composto, que engloba os dois setores, de 54,9 para 51,9.


'Sopa de letrinhas'

Na prática, a discussão segue sobre o formato da recuperação após o choque provocado pela pandemia do novo coronavírus, com a famosa sopa de letrinhas. A dúvida é se recuperação será em 'V','U', 'K' e, agora, as novas contaminações acendem um alerta para um possível 'W', com novos tombos à frente.

Para o ex-presidente do Banco Central e atual presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil, Ilan Goldfajn, o 'V' já existe. "A pergunta agora é até onde vai ser o crescimento", disse ele, em evento online, nesta manhã. Ilan observou que há uma dúvida sobre o surgimento de segunda onda de contaminação na Europa e em outros países, mas que não tem sido acompanhada de um crescimento de óbitos.

Por causa disso, e também da ocupação moderada dos hospitais, o economista-chefe da Trafalgar Investimentos, Guilherme Loureiro, diz que no momento o risco de um lockdown horizontal parece baixo. São prováveis, contudo, novas medidas localizadas, que podem afetar principalmente os serviços de alimentação e turismo.

"A recuperação já aconteceu. As vendas no varejo estão bem fortes nos Estados Unidos e Europa, que também vê recuperação rápida da produção industrial. A questão é como fica daqui para frente." Por ora, a Trafalgar não alterou as projeções de PIB globais, com expectativa de queda de 6,5% para a zona do euro, entre 4,0% e 4,5% para os Estados Unidos e de crescimento de 2,5% para a China.

Francês, o economista Alexandre Lohmann, da GO Associados, lembra que já passou a "parte fácil" da retomada. "A retomada já estava em risco de se tornar uma 'retomada em W' com um forte recuperação seguida de uma nova queda antes de ter a recuperação final. Nesse contexto, medidas restritivas, mesmo limitadas, não ajudam. Os primeiros sinais dessa 'retomada em W' começam a aparecer no PMI de países que têm uma forte segunda onda, como a Espanha."

Contato: aline.bronzati@estadao.com e thais.barcellos@estadao.com
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