Economia & Mercados
01/12/2021 08:52

Especial: Patamar de preço mais alto de carros veio para ficar e atinge em cheio a locação


Por Juliana Estigarríbia

São Paulo, 30/11/2021 - Diante da crise persistente na cadeia de suprimentos das montadoras, o preço médio dos carros novos subiu de forma significativa, com aumentos que chegam a 60%, dependendo da categoria e do modelo. Esse novo patamar de preços veio para ficar, de acordo com analistas e executivos ouvidos pelo Broadcast, mesmo em um cenário futuro de estabilização da inflação e do dólar, o que deve favorecer a locação, especialmente o negócio de carro por assinatura. O alerta reside, porém, no crescimento dos custos com manutenção pelas locadoras.

“Apesar da expectativa de restabelecimento da produção de carro zero até o final do ano que vem, não consigo enxergar o ponto de inflexão desses preços. Nem em 2023 isso pode acontecer”, afirmou ao Broadcast Cláudio Zattar, presidente da locadora Ouro Verde, controlada pela Brookfield.

Preço subiu 47% acima da inflação
Segundo levantamento da consultoria IHS Markit, desde março de 2020, início da pandemia, o preço médio dos carros novos (ponderado por volume) subiu 47% acima da inflação no Brasil. “Em um cenário otimista, nos próximos três a cinco anos, os preços dos carros novos devem passar a acompanhar apenas a inflação”, estima o especialista de setor automotivo da consultoria, Roberto Barros. “Em um cenário padrão, vão continuar subindo acima da inflação, ainda que menos do que nos últimos dois anos. O novo patamar de preços veio para ficar”, acrescenta.

Ele lembra que, em meados de 2013, as montadoras elevaram consideravelmente a capacidade instalada no País, na expectativa de aumento contínuo do consumo. O contexto era do recém-lançado programa de incentivos à indústria automotiva, o Inovar-Auto. No entanto, a forte crise econômica que atingiu o Brasil de 2014 a 2016 foi um balde de água fria nos planos das montadoras.

Passada a turbulência, as empresas começaram a se recuperar, mas a pandemia da covid-19 voltou a assombrar as linhas de produção. “Por muitos anos, as montadoras operaram bem abaixo da capacidade instalada e agora, com a economia enfraquecida, a tendência é de redução dessa capacidade”, diz Barros.

O especialista observa que, diante do alto patamar do dólar, da pressão inflacionária no País e dos investimentos cada vez maiores por parte da indústria em inovação, principalmente para atender planos de eletrificação e de conectividade, os preços dos automóveis novos devem continuar a subir.

Seminovos e usados seguem alta
O novo patamar de preços tem puxado o mercado de seminovos e usados a níveis nunca antes vistos. Neste cenário, as locadoras vêm batendo recordes sucessivos de tíquete médio na venda de seminovos. Por outro lado, as dificuldades para renovação de frota persistem, o que afeta a receita do segmento.

Em teleconferência de resultados no início de novembro, o presidente da Unidas, Luís Fernando Porto, disse que a diminuição do número de lojas de seminovos nos últimos 12 meses tem o intuito de “manter o Ebitda alto”. “Temos capacidade de venda de 30 mil veículos e estamos vendendo 12 mil, não faz sentido mantermos lojas que não estão desempenhando, mesmo que isso custe a abertura de novas unidades em um segundo momento”, afirmou a analistas. “Seminovos é ajuste da máquina à necessidade de vendas”, acrescentou.

No terceiro trimestre, a receita com seminovos da Unidas recuou 39% na comparação anual, acompanhando a queda do volume de vendas. Já o faturamento da Localiza no segmento caiu 36,1%, enquanto da Movida aumentou, uma vez que a companhia ainda conseguiu elevar o volume de vendas de carros no período.

Desafios à locação
Para o CEO da Movida, Renato Franklin, o próximo ano ainda reservará desafios para o setor de locação. “Vamos passar 2022 com alguns gargalos, como menor oferta de carros e consequente inflação do 0 km. Estamos conservadores em relação a custos com manutenção”, disse o executivo em entrevista ao Broadcast no fim de outubro.

Zattar, da locadora Ouro Verde, salienta que as líderes do mercado de locação sofrem menos com a falta de oferta por terem contratos de longo prazo com as montadoras. “Fizemos acordo para garantir a compra ao longo do ano. Quem assumiu o risco sofre menos, com cortes menores.”

No entanto, o consenso no mercado é que mesmo as grandes locadoras terão dificuldades para renovar frota, o que vai gerar impactos sobre os custos. Na gestão e terceirização (GTF), os efeitos devem ser reduzidos, uma vez que a utilização dos veículos é diferente do rent a car (RAC). A Ouro Verde, por exemplo, atua basicamente em GTF e ainda assim tem visto problemas. “Grandes concorrências neste segundo semestre estão sendo adiadas por falta de carro, contratos de frotas enormes estão sendo prorrogados”, diz Zattar. “Nosso aumento de custo médio é de 15% neste ano e pode aumentar”, ressalta.

Para o fundador da Checkprice consultoria especializada, com a oferta restrita de veículos, as locadoras terão que continuar a enfrentar aumento de custos, mesmo aquelas que só atuam no GTF. “Em termos de preços dos carros novos, o mercado não vai voltar. As locadoras que souberem administrar seus ativos, de maneira a alongar seus contratos na gestão de frotas, serão beneficiadas.”

Já as locadoras que trabalham no RAC estão elevando consideravelmente as tarifas para compensar o aumento de custos, conforme reportaram as três grandes do segmento no terceiro trimestre. Zattar avalia que a crise de oferta para estas empresas é mais profunda. “Conforme vai passando o tempo, a frota fica mais velha e o custo vai aumentando.”

Compensação com carro por assinatura
Enquanto as locadoras tentam equilibrar custos nos segmentos de RAC e terceirização, o carro por assinatura voltado para pessoas físicas deve ganhar cada vez mais destaque em tempos de preços dos veículos nas alturas. Não à toa, o número de empresas que entram neste mercado só cresce. Além de locadoras e montadoras, a última a apostar no negócio foi a Cosan, que anunciou recentemente uma joint venture com a Porto Seguro, pioneira neste tipo de serviço no País.

Zattar relata que, em 2022, a Ouro Verde vai entrar no mercado de assinatura para pessoas físicas. “Lançamos este serviço para PMEs, temos pronta entrega, o que garantiu um lançamento tranquilo. Nossa estratégia para pessoas físicas vai ser a mesma, é claro que vai depender da chegada dos carros, mas vemos um potencial gigantesco.”

Barros, da IHS Markit, pondera que, apesar do carro por assinatura ser uma tendência, os preços dos contratos ainda são elevados. “Os preços desse tipo de serviço ainda são caros no Brasil e podem limitar a expansão do negócio.”

Contato: juliana.estigarribia@estadao.com
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