Agronegócios
24/03/2021 09:13

Entidades questionam proposta do BC para classificação de selo sustentável para crédito rural


Por Eduardo Rodrigues

Brasília, 24/03/2021 - A proposta do Banco Central para definir os critérios de classificação de "empreendimentos sustentáveis" para o crédito rural entrou na mira de entidades que avaliam que a proposta da autoridade monetária abriria brechas para financiamentos de projetos social e ambientalmente problemáticos. Já o BC alega que o objetivo é fechar ainda mais o cerco a atividades nocivas no campo e garante que o selo sustentável não será concedido a qualquer produtor.

Desde o dia 11 deste mês, o BC está aberto a sugestões para a definição dos critérios que serão usados pelos bancos para enquadrarem suas operações de crédito rural como "sustentáveis". Com esse selo, os produtores poderão ingressar em um mercado que ganha cada dia mais espaço, dos chamados "empreendimentos verdes" para os quais os grandes fundos de investimentos têm voltado a sua atenção.

A proposta prevê que os financiamentos rurais poderão ser enquadrados em três categorias. A primeira delas diz respeito a projetos vetados em razão de impeditivos legais ou infralegais, como sobreposição com terras indígenas, desmatamento ilegal na Amazônia ou autuação por trabalho escravo. Nesses casos, o próprio Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor) barra a operação de maneira automática.

A segunda categoria engloba os empreendimentos que poderão obter crédito rural, mas com um alerta aos bancos de que a operação representa algum risco socioambiental. Áreas embargadas ou com autuação por trabalho infantil, por exemplo, poderão ser financiadas, mas sem o selo de operação sustentável.

Já os projetos aptos para serem classificados como sustentáveis ainda precisarão atender diversos parâmetros como agricultura de baixo carbono, outorga de água, ou utilização de energia renovável gerada na propriedade.

O coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Gustavo Pinheiro, questiona o fato do BC ter deixado aberta a possibilidade de financiamento de projetos em áreas embargadas e com autuações por trabalho infantil.

"A legislação não distingue que uma prática é pouco criminosa ou muito criminosa - ou você está em conformidade ou não está. Ao criar categoria intermediária na classificação do crédito rural, o BC passa sinal muito negativo, de que considera alguns crimes menores", avalia. "O BC anunciou sua agenda de sustentabilidade prometendo ir além, fazer algo adicional. Mas trazer ilegalidades para uma categoria intermediária enfraquece o próprio selo", acrescenta.

Pinheiro aponta ainda que a proposta deixa uma abertura para o financiamento de empreendimentos em unidades de conservação ambiental e áreas indígenas, de acordo com as leis e regulamentos vigentes. Atualmente, já são permitidas atividades de manejo florestal em áreas protegidas e algumas operações de crédito para silvícolas em terras indígenas.

"Não é 'passar a boiada', mas é abrir a porteira. Se amanhã o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fizer uma portaria autorizando mais atividades em áreas de proteção, elas automaticamente estarão aptas a receber esse crédito. A mesma coisa se o ministro da Justiça, André Mendonça, editar uma portaria conjunta com Funai autorizando a exploração agrícola em terras indígenas", alerta.

Procurado pelo Broadcast, o Banco Central escalou um time de técnicos para responder os questionamentos à proposta. De acordo com eles, não há nenhuma intenção de liberar financiamentos para empreendimentos inadequados, pelo contrário. O próprio sistema do crédito rural já veta automaticamente aqueles projetos cujas coordenadas geodésicas - obrigatórias em todos os pedidos - indicam alguma irregularidade.

Já a categoria intermediária - apontada por Pinheiro como o maior problema da proposta - seria na verdade uma "luz amarela" para os bancos. Os empreendimentos enquadrados nessa categoria precisarão passar por um processo mais rigoroso de análise pelas instituições financeiras, sob a supervisão direta do próprio Banco Central.

O BC acredita que uma minoria de empreendimentos em áreas sob embargo ou com histórico de autuações por trabalho infantil conseguirão passar por essa dupla verificação. A autoridade monetária lembra que qualquer operação de crédito rural precisa responder a 270 critérios para ser autorizada e enfatiza que o chamado "Manual do Crédito Rural" não está sendo alterado. Portanto, o banco que financiar projetos com inconformidades estará sujeito às punições impostas pelo órgão regulador.

Os técnicos do Banco Central esclarecem ainda que não basta cumprir a lei para que o produtor receba o selo de "empreendimento sustentável". Embora não faça parte da consulta pública, a autoridade monetária irá criar uma pontuação para cada critério de sustentabilidade que está sendo discutido. O objetivo é conceder o selo apenas aos projetos que obtiverem pontos em diversos critérios, evitando o chamado "greenwashing" - ou propaganda enganosa de responsabilidade ambiental.

O Banco Central ainda argumenta que esse é apenas um primeiro passo para uma regulamentação maior para a classificação dos projetos rurais sustentáveis. A instituição lembra que esses dados serão abertos e poderão ser usados por certificadoras de títulos de crédito sustentáveis, agências de rating especializadas e empresas de auditoria para permitir a emissão dos chamados títulos verdes.

A consulta pública seguirá até o dia 23 de abril. Para Pinheiro, uma boa regulamentação do crédito rural sustentável pode ter reflexo direto nos fluxos de investimento para o campo brasileiro. "Temos visto nos últimos anos uma perda de credibilidade do Brasil na questão ambiental, e isso pode ter consequências para ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, além da adesão do Brasil à OCDE. Esperamos um sinal positivo do BC", completa o coordenador do ICS.

Contato: eduardor.ferreira@estadao.com
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