Será que o velho ditado se aplica à continuidade do ciclo de queda do juro pelo Banco Central dos EUA?
11 de novembro de 2025
Por Simone Cavalcanti e Pedro Lima
Como diz o velho ditado, em terra de cego, quem tem um olho é rei. Mas, na atual conjuntura da política monetária dos Estados Unidos, será mesmo que isso se aplica?
Por causa do shutdown, os integrantes do Federal Reserve (Fed) estão sem poder fazer o acompanhamento pari passu da inflação. O Departamento do Trabalho, responsável pelo CPI que é o índice oficial para a alta dos preços, está parado. Assim como toda a máquina pública.
Em setembro, o Banco Central dos Estados Unidos engatou um ciclo de queda dos juros e há dúvidas sobre a decisão que tomarão os dirigentes na próxima reunião, marcada para dezembro. Vão fazer isso no escuro? Essa é a pergunta que não quer calar. Isso porque, ao que tudo indica, o Fed pode não ter acesso a dados cruciais mesmo se a paralisação terminar esta semana.
É certo que o mandato duplo faz com que o Fed olhe também para o mercado de trabalho e tire daí alguma percepção sobre o aquecimento ou resfriamento da economia americana. No entanto, os efeitos do tarifaço entram na questão inflacionária. Aliás, esse foi um discurso constante do presidente do Fed, Jerome Powell, para segurar o juro estável antes deste momento!
Alguns integrantes, como o presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, se dizem desconfortáveis com um corte de juros sem acesso a dados de inflação. No início deste mês, ele mostrou o mesmo mal-estar sobre o fato de dados oficiais de inflação ficarem indisponíveis justamente no momento em que há uma pressão em serviços.
Do outro lado do espectro, o diretor Christopher Waller parece menos preocupado em atravessar a forte neblina. E usa, inclusive, o analogismo para dizer: “a névoa de dados não nos diz para parar”. Ele defende abertamente um novo corte de juros no último mês deste ano, ainda sem ver as estatísticas oficiais.
Diga-se de passagem, faz um tempo que Waller está com discurso mais dovish em linha com os desejos do presidente Donald Trump, a quem ele já está indicando que aceita presidir o BC americano. Claro, se for convidado por Trump.
Mesmo que os órgãos do governo reabram as portas ainda nesta semana, os economistas alertam que o estrago estatístico já está feito. O Fed pode seguir às cegas já que relatórios fundamentais de outubro e novembro talvez não fiquem prontos a tempo.
A EY-Parthenon vê o relatório de setembro sendo publicado poucos dias após o fim do shutdown, mas o levantamento de outubro será mais complicado, já que os servidores públicos ficaram sem coletar preços e respostas de pesquisas por semanas. O Morgan Stanley prevê que os dados de emprego de outubro e novembro só devem sair em 8 de dezembro, às vésperas da reunião do Fed.
A situação até lembra o shutdown de 2013, só que pior. Naquela época, a paralisação durou menos da metade do tempo atual e não chegou a afetar dois meses seguidos de divulgação. O consenso é que a leitura da inflação e do mercado de trabalho seguirá incompleta, o que deixa o “rei de um olho só” ainda tateando pela penumbra.
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