Alta da tarifa a importação americana do Canadá ajudou a virar jogo de eleições por lá. Será o mesmo no Brasil?
11 de julho de 2025
Por Isabella Pugliese Vellani e Pedro Lima
O que poderia fazer o susto das tarifas de 50% impostas pelos EUA ao Brasil se transformar num presente para o governo? A resposta surgiu rapidamente e veio pela reação da população percebida nas redes sociais. Nesta semana, o Palácio do Planalto não precisou mover muitas palhas para ver o sentimento “antitrumpista” tomar conta das redes sociais. Se podemos chamar assim, esse cavalo de Troia às avessas, aliás, não é exclusividade brasileira. Há poucos meses, foi exatamente esse tipo de ação que ajudou a mudar os rumos de uma eleição no Canadá, onde com uma pitada de nacionalismo e um empurrão de Trump, os liberais conseguiram virar o jogo contra os conservadores.
Por aqui, a rejeição ao republicano virou combustível político num momento em que Lula ainda tenta recuperar sua popularidade em queda livre. E o governo não perdeu tempo: nota oficial, reunião emergencial e um inimigo bem definido: o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais precisamente, Eduardo Bolsonaro, que correu para assumir -diga-se de passagem, com orgulho – a autoria do pedido de tarifação para o aliado americano.
A operação de comunicação surtiu efeito. Ganhou força nas redes um tom nacionalista com ecos de defesa da soberania nacional. O termo “respeitem o Brasil” foi usado em mais de 26 mil posts na rede social X até o fim da tarde de quinta-feira, enquanto a palavra “soberania” era a segunda mais usada no período, com mais de 157 mil postagens. No Instagram, a hashtag #BrasilSoberano somava 11 mil publicações. E os dados não param por aí.
Em questão de dez minutos, entre 18h20 e 18h30 de ontem, o número de seguidores no perfil oficial de Lula no X aumentou em quase uma centena de seguidores. No Instagram, o salto foi ainda mais expressivo: quase quatro centenas. Quinze horas depois, as redes tinham 9.626.385 e 13.378.705 seguidores, respectivamente. Segundo a plataforma Hypeauditor, o avanço no Instagram representou 22,9% de todos os seguidores conquistados por Lula nos últimos 30 dias.
Enquanto o Brasil digeria as novas tarifas, no Canadá, o filme já havia passado. Em abril, o que era uma eleição dominada pelos conservadores se transformou, em questão de semanas, em um referendo sobre Trump. Na primeira versão do tarifaço, produtos canadenses foram alvo do republicano, que ainda sugeriu transformar o país vizinho em um “51º Estado americano”. O nacionalismo floresceu – e virou o jogo.
A entrada de Mark Carney, ex-presidente dos bancos centrais do Canadá e do Reino Unido, deu novo fôlego à campanha liberal. À frente do governo interinamente desde março, após a renúncia de Justin Trudeau, ele virou uma espécie de símbolo da resistência institucional e diplomática contra Trump. “Trump quer nossas terras, nossa água, nosso país. Isso nunca vai acontecer”, disse Carney após a vitória apertada – 44% a 41% – que garantiu mais um mandato aos liberais, mesmo que minoritário no Parlamento.
Por lá, o conservador Pierre Poilievre chegou a liderar com mais de 20 pontos até janeiro. Com estilo populista, críticas à imigração e promessas de austeridade, encarnava o trumpismo. Quando vieram os ataques ao Canadá, tentou se distanciar do republicano. Já era tarde.
No Brasil, ainda estamos longe da urna. A distância até outubro de 2026 pode diluir o impulso inicial. A esquerda aposta que a possível condenação de Bolsonaro pode manter a polarização viva. Mas o recado canadense já está dado: transformar política externa em ativo eleitoral é possível. Desde que haja narrativa, estratégia e um adversário claro. Trump já escolheu o seu lado.
Agora, resta saber se Lula vai saber explorar isso.
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