28 de outubro de 2025
Por Luiz Araújo
O presidente da Airbus para a América Latina e Caribe, Arturo Barreira, afirma que a fabricante seguirá focada no fornecimento de aviões de capacidade média para o mercado brasileiro. Concorrendo com a nacional Embraer, líder no segmento de jatos comerciais de até 150 assentos, a Airbus vê espaço para seguir avançando no Brasil com aeronaves adequadas para atender tanto as rotas regionais, dentro do País, como as ligações com os vizinhos latinos.
Em entrevista à Broadcast, Arturo Barreira destaca que o otimismo com a região foi reforçado após o anúncio do Grupo Abra, controlador da Gol, que exerceu opção de compra de 50 opções do modelo A320neo, que se somam aos 88 previamente contratados, totalizando 138 unidades a serem entregues até 2032.
Apesar das perspectivas positivas, o representante da fabricante aponta que o setor segue perseguido por desafios, principalmente em relação à cadeia de suprimentos. “Produzir um avião exige uma cadeia enorme de fornecedores, e se falta um único parafuso, o avião não voa”, afirma. A Airbus chegou a ter 60 aeronaves montadas, mas sem motores.
Sobre a indicação de que as linhas de crédito a serem ofertadas às companhias aéreas brasileiras por meio do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) serão condicionadas à compra de aeronaves da Embraer, Arturo diz que não conhece detalhes da matéria, mas aponta: “O que esperamos é que as regras estejam alinhadas com as normas da OCDE sobre concorrência”.
Confira os principais trechos da entrevista:
Broadcast: O Grupo Abra anunciou na semana passada o exercício de mais de 50 opções de aeronaves da Airbus, além das 88 já contratadas. Como avalia a importância dessa ampliação?
Arturo Barreira: Estamos encantados que estejam comprando mais aviões. Nós temos uma relação muito importante com o Grupo Abra, e também com a Avianca, que é um dos maiores operadores de aviões Airbus na América Latina. Mas o Grupo Abra também inclui a Wamos e a Gol. Então, para nós, aumentar a encomenda que já tínhamos, com mais 50 A320, é algo realmente relevante. E junto com os cinco A350, também foi muito importante que eles anunciassem ao mercado o compromisso de ampliar os A320 e incluir o A350 em seus planos futuros de frota.
Broadcast: Para a atuação da Airbus no Brasil, o que isso representa?
Barreira: Nós somos quase brasileiros. Temos a Helibras, subsidiária da Airbus, e estamos presentes no País há 50 anos com nossos produtos. Temos centros de engenharia, o único simulador nas Américas do nosso maior helicóptero, e simuladores de aviação comercial do A320. Nossa presença no Brasil é muito importante, provavelmente a mais relevante de toda a região, pela diversidade de atividades: engenharia, manutenção, treinamento e montagem. O Brasil é um país-chave para nós, dentro da nossa visão para o mercado latino-americano. Então, essa encomenda do Grupo Abra, de A320 e A350, é uma decisão do grupo, que vai definir onde colocar esses aviões. Mas, para nós, isso fortalece ainda mais nossa presença no País. Hoje temos dois grandes operadores com Airbus, Latam e Azul, ambos operam o A320 e o A330. É muito importante continuar adicionando mais aeronaves.
Broadcast: E quanto à aviação executiva, há espaço para aeronaves menores da Airbus no Brasil?
Barreira: O mercado tem priorizado aviões de menor custo operacional. Nos últimos anos, os principais aviões entregues à Latam e à Azul foram A321, porque são mais eficientes e competitivos em rotas de alta demanda. Mas também há espaço para aviões menores, para abrir novas rotas regionais. Um bom exemplo é o A220, que pode atender rotas domésticas curtas no Brasil e também conexões regionais. É um avião flexível, capaz de operar tanto no mercado interno quanto em destinos da região. Há muito potencial nisso e nosso foco é esse. Por exemplo, Brasília tem poucas conexões internacionais, apesar de ser a capital de um país enorme. Fizemos um estudo antes da pandemia: entre os 50 maiores aeroportos da América Latina, menos de 50% tinham ao menos um voo diário entre si. Em contraste, na Europa e nos EUA, 99% desses aeroportos estão conectados diariamente. Isso mostra que ainda há muito a ser desenvolvido em rotas secundárias.
Broadcast: Essa demanda do mercado por aviões de menor custo operacional dialoga com a agenda de descarbonização? Esses modelos da Airbus atendem ambos?
Barreira: A descarbonização é o maior desafio da aviação nas últimas quatro décadas. Pode chegar o dia em que nos proíbam de voar por emitirmos demais. E é muito mais difícil descarbonizar um avião no céu do que um carro no chão. O combustível representa 40% dos custos operacionais. Precisamos de regulações que nos permitam reduzir emissões sem comprometer o crescimento e a rentabilidade das companhias. Na América Latina, onde a aviação é essencial, em alguns casos, é o único meio de transporte entre países, precisamos equilibrar sustentabilidade, viabilidade econômica e expansão. Os aviões de hoje consomem 25% menos combustível que os da geração anterior. Trabalhamos também em novas tecnologias: nosso objetivo é lançar um avião revolucionário no fim da próxima década, com emissões ainda menores, e permitir o uso de 100% de SAF (combustível sustentável de aviação). Hoje, nossos aviões já podem voar com até 50% de SAF, e queremos chegar a 100% até o fim desta década. Portanto, o problema não é técnico, é de oferta do combustível.
Broadcast: O governo brasileiro já tem aprovada uma linha de crédito pública a partir de recursos de um fundo, o Fnac. Mas há a indicação de que uma das condicionantes para as companhias será de comprarem aviões da Embraer. Vocês têm dialogado com o governo sobre isso? Existe algum canal de discussão, já que isso poderia afetar a concorrência entre fabricantes?
Barreira: Veja, nós não opinamos sobre políticas específicas de cada país em matéria de aviação. O que importa para nós é que essas políticas favoreçam a concorrência, o desenvolvimento e o crescimento do setor. Não vou julgar se o que estão propondo é bom ou ruim, até porque não conheço os detalhes. O que esperamos é que as regras estejam alinhadas com as normas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre concorrência. Qualquer política estatal que incentive competição e crescimento da indústria aeronáutica é bem-vinda.
Broadcast: E qual a importância da colaboração do governo com o setor aéreo?
Barreira: Países como Panamá são um bom exemplo. O Panamá criou um hub fantástico na Cidade do Panamá, com forte apoio estatal à companhia aérea (Copa), e isso transformou o país numa plataforma de conexão. Se você for lá hoje e comparar com 30 ou 40 anos atrás, quando a Copa começou a operar com esse conceito, verá que o desenvolvimento foi impressionante. Há países tentando seguir esse modelo, mas nem sempre existe a mesma sintonia entre o setor público e o privado para fazer a aviação crescer. Políticas que incentivem o desenvolvimento de infraestrutura, como a expansão de El Dorado, em Bogotá, ou de Guarulhos, em São Paulo, são essenciais. Aqui em Lima, por exemplo, o novo aeroporto é excelente, mas ainda falta muito desenvolvimento em terra e no ar para tornar o transporte aéreo mais eficiente e permitir maior crescimento.
Broadcast: Qual o status atual da cadeia de suprimentos da indústria de aviação? Está próxima de ter os fornecimentos normalizados?
Barreira: Estamos muito melhor do que há três ou quatro anos. O mercado já superou os níveis de 2019, o que mostra que o crescimento continua. Produzir um avião exige uma cadeia enorme de fornecedores, e se falta um único parafuso, o avião não voa. Durante a pandemia, muitos fornecedores enfrentaram dificuldades e duvidaram que o crescimento voltaria. Hoje, a cadeia está se recuperando. Tivemos atrasos em entregas de motores, chegamos a ter quase 60 aviões sem motores, mas os fabricantes se comprometeram a regularizar tudo até o fim do ano. Também estamos comprando, junto com a Boeing, uma parte da empresa Spirit Aerosystems, que enfrenta dificuldades financeiras, e esperamos fechar o acordo até o quarto trimestre. Ela é uma fornecedora importante, e isso dará mais estabilidade à cadeia produtiva.
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