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Comentário: Quem matou a MP? Setores econômicos e Centrão deixam digitais na derrota ao governo

9 de outubro de 2025

Por Isadora Duarte

Brasília, 09/10/2025 – Enquanto o Brasil se pergunta quem matou Odete Roitman, outra questão paira sobre Brasília: quem matou a Medida Provisória 1.303? A medida, editada pelo governo Lula como alternativa à elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), perdeu a validade nesta madrugada, em derrota ao Executivo. O mistério, desta vez, é mais fácil de decifrar. São inúmeras as digitais na morte e enterro do texto, muito além dos cinco suspeitos do assassinato da vilã do folhetim.

A novela da MP começou antes da sua própria origem. Em junho, em meio às reações negativas do Congresso e dos setores econômicos à elevação do IOF, o governo prometeu o envio de uma medida para recalibrar a alta do imposto. A substituição do decreto do IOF por um medida compensatória foi debatida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com os presidentes das Casas, líderes partidários e ministros.

O pacote, entretanto, vazou antes de o terreno político estar preparado e desagradou a bancadas parlamentares ainda quando era incipiente, o que colocou mais pólvora em uma relação desgastada pelo decreto do IOF, que acabou judicializado no Supremo Tribunal Federal (STF). Com a resistência do Congresso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), se comprometeram com o Executivo em apresentar e debater a MP com as bancadas, sem garantir a aprovação do texto.

A reação dos setores econômicos foi imediata e um verdadeiro “salve-se quem puder”, com todos os setores correndo para salvaguardar seus interesses. O agronegócio criticou a proposta de taxação em 5% sobre títulos do setor, letras de crédito e fundos de investimento, alegando que afetaria e encareceria o crédito à agropecuária e prejudicaria a competitividade do setor. A proposta chegou a ser classificada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) como um “duro golpe” ao setor.

Os setores imobiliário e de infraestrutura também se mobilizaram contra a taxação de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCDs) e debêntures incentivadas, com o argumento de potencial retração nos investimentos dos setores.

Diante da insatisfação dos setores econômicos, vinte frentes parlamentares do setor produtivo se uniram pedindo a devolução da medida, batizada por elas de “MP Taxa-Tudo”. A coalizão alegou que a medida traria uma tributação generalizada e excessiva e que ameaçaria setores essenciais com efeitos negativos sobre a economia e sobre a população.

A desidratação da MP começou justamente pelos setores econômicos. Meses passados, com a resistente mobilização das frentes e na iminência de rejeição ao texto, o relator da MP, deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), recuou retirando da proposta a taxação das debêntures incentivadas, títulos do agronegócio e fundos de investimento do agro. Ainda sem aval das bancadas, o governo cedeu novamente e excluiu as letras de crédito do agro, imobiliário e do desenvolvimento da taxação, mantendo sua isenção.

Mas mesmo assim não foi suficiente para angariar o apoio das frentes parlamentares do setor produtivo – que na reta final alegaram que seria um erro avalizar um “viés arrecadatório” da medida. O Executivo, por sua vez, acusa as bancadas de quebra de acordo.

Em paralelo à movimentação estridente das bancadas temáticas, outro lobby silencioso avançava em Brasília: o das bets. Na reta final da tramitação do texto, em uma negociação derradeira na última segunda-feira, o governo voltou atrás e concordou em manter a taxação das casas de apostas em 12%, ante alíquota de 18% proposta inicialmente. O movimento foi inclusive apontado como tiro no pé pelas bancadas que já queriam votar contra à MP e viam nas bets uma questão moral a ser preservada.

Ontem, poucas horas antes da votação, mais uma desidratação. Deputados de oposição ao governo se mobilizaram para derrubar da medida o artigo que aumentaria a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs, em movimento articulado pelas instituições financeiras. A tributação das fintechs já era rejeitada por parte do colégio de líderes da Câmara, que viam a MP “no telhado” caso a proposta não fosse retirada.

Ex-presidentes da Câmara também não passaram ilesos do movimento. Há pelo menos duas semanas se ouvia em Brasília que Arthur Lira (PP-AL) articulava a “coordenação da morte” da MP, com apoio da oposição e das bancadas temáticas, em ensaio de incorporar parte da MP no projeto que amplia isenção ao Imposto de Renda. Burburinho também foi gerado nos corredores de Brasília por um artigo do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, publicado no portal Poder360, no qual afirmava que Lula se fortalece para reeleição com ajuda do Centrão no Congresso, citando o projeto de isenção de IR, e mais verbas para usar em 2026, mencionando a MP que aumentaria a arrecadação do governo no próximo ano.

A pá de cal sobre a MP 1.303 veio ontem, em movimento articulado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), com partidos do Centrão. Parlamentares afirmam que o governador ligou pessoalmente a deputados defendendo a derrubada da MP. Partidos da base do governo se dividiam entre não fechar questão, mas orientar contra – caso do PSD – ou tentar distância do tema. Republicanos, União Brasil e Progressistas orientaram as bases para barrar a MP.

A dificuldade de articulação política do governo com vaivém das propostas e no afago e ataque aos setores é outro rastro presente no enterro da MP. Há de se destacar que o Executivo ganhou a narrativa para si em alguns momentos durante a tramitação da MP. A “taxação BBB” (bancos, bets, bilionários) dominou as redes sociais e angariou parte da simpatia da opinião pública, sentimento captado em pesquisas de opinião. Hoje, a menção a um “Congresso inimigo do povo” está entre os principais temas nas redes. O discurso de ricos contra pobres, entretanto, não foi suficiente para salvar a medida.

Na novela das nove, a trilha é “Brasil mostra a sua cara”, de Cazuza. Por aqui, são muitas as faces que ilustram esse mosaico. Um verdadeiro vale-tudo. Assim como no folhetim, resta a dúvida: a MP morreu mesmo? A conferir nos próximos capítulos…

Contato: isadora.duarte@estadao.com

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