Política
06/07/2020 10:05

Sem conseguir privatizar estatais, governo corre para liquidar Ceitec


Por Anne Warth

Brasília, 06/07/2020 - Para quem começou o mandato prometendo vender e acabar com várias estatais, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe terão que correr contra o tempo para cumprir a meta de arrecadar um R$ 1 trilhão em ativos, feita ainda durante a campanha. Em um ano e meio de governo, a gestão não concluiu nenhuma privatização ou liquidação de empresas públicas de controle direto da União.

O maior desejo do governo ainda é privatizar a Eletrobras, mas, para isso, será preciso convencer o Congresso a aprovar um projeto de lei que autorize capitalizar a companhia e reduzir a participação da União, hoje em 60%, para algo próximo de 40%. Com a ambição de vender uma das maiores empresas de energia do País, o governo pode ter que se contentar, neste ano, em liquidar a Ceitec - conhecida pelo apelido pejorativo de "chip do boi".

O Ministério da Economia contabiliza seus feitos nessa área de forma diferente. Segundo a pasta, no início de 2019, a União detinha 698 ativos entre estatais de controle direto, subsidiárias, coligadas e simples participações em empresas. Desde então, 84 ativos deixaram essa lista - entre subsidiárias, coligadas e participações. Com isso, o rol de ativos caiu para 614.

O balanço da pasta não inclui nenhuma estatal federal de controle direto foi privatizada ou liquidada. Pelo contrário: o governo ainda criou a NAV , a ser responsável pela navegação aérea, que antes cabia à Infraero.

Entre as realizações que o governo menciona está a venda da TAG e da BR Distribuidora, subsidiárias da Petrobras. Esse tipo de processo, no entanto, não é considerado uma privatização, mas um desinvestimento - venda de subsidiária pela matriz, que coordena todo o processo. As leis que regem o processo também são diferentes.

O início do processo da venda da TAG se deu em 2017, ainda no governo anterior, quando a companhia anunciou seu plano de desinvestimentos. A conclusão da venda, no entanto, só se deu em 2019, devido a uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) dada em 2018 e derrubada no ano passado.

No caso da BR Distribuidora, a abertura de capital ocorreu em 2017, mas a transformação da empresa numa corporation - sem controle definido - ocorreu, de fato em 2019.

Economista e ex-diretora da área de privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Elena Landau - que participou diretamente da venda da Vale e da Telebrás - avalia que o programa de desestatização do governo não anda porque, na verdade, o presidente e a maioria de seus ministros são contra a venda e liquidação de estatais.

"Todos sabiam que não existia tanta empresa para vender e que havia um enorme desconhecimento sobre esse valor de R$ 1 trilhão das empresas", afirmou Landau. "Não estou preocupada com a pressa, porque o processo é lento mesmo. A questão é a falta de decisão."

A economista diz ainda que usar o aumento de gastos públicos em saúde e programas de apoio à população devido à pandemia como motivo para privatizar empresas é um erro. "A pior justificativa política para privatização é usar a questão fiscal. Primeiro, porque esse dinheiro não vai para o Tesouro. Segundo, porque quem é contra vai dizer que estão vendendo a prata da casa a preço de banana no meio da crise", disse.

As desestatizações são um processo amplo, com governança tocada por órgãos diferentes.A área de privatizações e liquidações do governo é comandada pelo secretário especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar. Já as concessões de infraestrutura são conduzidas pelo Ministério da Infraestrutura, sob chefia do ministro Tarcísio de Freitas. A coordenação é do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), da secretária especial Martha Seillier. Os desinvestimentos, por sua vez, são conduzidos pelas próprias estatais "mães" - como Petrobras e Caixa, por exemplo.

Até agora, de acordo com o Ministério da Economia, o governo Bolsonaro incluiu 11 estatais no Programa Nacional de Desestatização (PND): Trensurb, CBTU, Ceagesp, CODESA, ABGF, EMGEA, Casa da Moeda, Nuclep, Serpro, Dataprev e Ceitec. Nessa fase, o governo contrata estudos para definir o futuro das companhias - seja venda, fechamento ou incorporação.

Uma vez no PND, a empresa deixa de estar subordinada ao ministério setorial e passa a responder ao Ministério da Economia, que pode, inclusive, fazer mudanças em sua direção e Conselho. Até lá, os ministérios costumam "brigar" para evitar a venda e o fim das companhias.

Nas últimas semanas, fontes do governo informaram que a venda da PPSA, que administra os contratos do pré-sal, poderia render R$ 500 bilhões e pagar todas as medidas de enfrentamento da pandemia. Pouco depois, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, descartou a privatização da companhia, até 2030, deve arrecadar R$ 1,2 trilhão para a União com a comercialização do óleo-lucro - que não pode ser feita por terceiros. Ele disse ainda que uma lei impede sua venda.

Há ainda empresas qualificadas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). É o caso da Telebrás, Correios e Codesp. Esse enquadramento dá à estatal "tratamento de empreendimento de interesse estratégico e prioridade nacional", segundo o Ministério da Economia.

A Eletrobras também integra o grupo de empresas qualificadas no PPI, mas foi incluída em 2018. Ela é proibida, por lei, de integrar o PND. Por isso, o governo trabalha para convencer o Congresso a privatizar a companhia. As conversas se intensificaram desde a pandemia do novo coronavírus, principalmente no Senado, onde a resistência é maior.

Um projeto de lei que permite a privatização da Eletrobras foi enviado ao Legislativo em novembro. Até agora, porém, ele não tem relator nem comissão. O Ministério da Economia, porém, conta com a aprovação ainda em 2020, tanto na Câmara quanto no Senado. "A expectativa é que o projeto seja aprovado pelos parlamentares em 2020 e a capitalização da empresa deve ocorrer no primeiro trimestre de 2021", afirmou a pasta.

No cronograma oficial do Ministério da Economia, a liquidação da Ceitec está prevista para o terceiro trimestre deste ano. A desestatização da Empresa Gestora de Ativos (Emgea), por sua vez, está programada para o quatro trimestre.

Até agora, porém, o PPI ainda não publicou a resolução que determina sua liquidação. "Quem sabe a Ceitec sai antes da reforma tributária?", ironizou Elena Landau, sobre a recorrente promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de enviar a proposta "na semana que vem".

Contato: anne.warth@estadao.com
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