Economia & Mercados
24/09/2021 15:54

Entrevista/BIS/Luis Awazu Pereira:BCs estão adotando várias medidas contra mudanças climáticas


Por Ricardo Leopoldo

São Paulo, 20/8/2021 - O conjunto dos Bancos Centrais no mundo está adotando várias medidas para enfrentar os problemas causados por mudanças climáticas dentro de suas atribuições, entre elas a melhora dos modelos de risco e a aprimoração dos testes de estresse diante de eventos físicos, como catástrofes naturais, comenta ao Broadcast em entrevista exclusiva Luis Awazu Pereira da Silva, diretor-geral adjunto do Bank for International Settlements (BIS, na sigla em inglês). "O que é preciso ser pensado agora é como construir um conjunto coordenado de políticas em cada jurisdição e em nível internacional."



Para Awazu Pereira da Silva, tal coordenação é fundamental, pois não há uma medida única, uma "bala de prata" para solucionar os problemas causados pelo aquecimento global. "É um processo envolvendo várias áreas de governo, não apenas os bancos centrais, mas também os Tesouros nacionais em relação à política tributária. Há a necessidade de coordenação internacional, pois nem todos os países têm recursos para financiar uma transição tecnológica para uma economia de baixo carbono." Neste contexto, ele aponta que faz parte a precificação da emissão de CO2 como um elemento relevante de uma série de políticas globais necessárias. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Broadcast: Como o senhor avalia a velocidade dos principais bancos centrais do mundo na adoção de medidas para combater mudanças climáticas?

Luiz Awazu Pereira da Silva:
Os bancos centrais em geral têm se preocupado crescentemente nos últimos cinco ou seis anos com o aquecimento global e mudanças climáticas e como afetam seus respectivos mandatos. Há uma série de intervenções proeminentes. Desde discursos do ex-governador do BC do Reino Unido Mark Carney e diversas publicações neste período mostrando um foco especial sobre este importante tema. Há também iniciativas para avaliar impactos de mudanças climáticas sobre inflação e a estabilidade financeira que fazem parte da maioria dos mandatos dos bancos centrais. Isto ocorre no contexto de que mudanças climáticas são classificadas como riscos físicos, com destruições causadas por eventos extremos, ou riscos de transição, como a alteração do valor de certos ativos ocasionada pelos efeitos de antecipação e reprecificação de carteiras de investimento. Estes dois tipos de riscos trazem impactos aos mercados financeiros, sejam eles sobre ativos e a solidez dos balanços dos bancos.

O conjunto da comunidade de bancos centrais tem reconhecido isso crescentemente e nós no BIS tentamos organizar um pouco o conhecimento em um pequeno livro editado no ano passado com a alcunha de "Cisne Verde", mostrando o tipo de risco sistêmico diferente que as mudanças climáticas aportariam para a comunidade financeira internacional e como a estabilidade financeira faz parte de mandatos de bancos centrais. Mudanças climáticas, segundo a ciência de hoje, é certeza de ocorrência se não fizermos nada e não apenas probabilidades. Os bancos centrais se agruparam atualmente no Network for Greening the Financial System (NGFS, na sigla em inglês), que é um fórum de discussões e de proposições que trata como a comunidade de bancos centrais e supervisores bancários deveriam reagir diante das consequências das mudanças climáticas.

Broadcast: Mas a velocidade de adoção de medidas pelos BCs não está lenta? O Banco Central Europeu anunciou seu arcabouço de política monetária com o foco em mudanças climáticas em julho. O Fed não está discutindo este tema e seu presidente, Jerome Powell, diz que não faz parte dos seus dois mandatos. Contudo, o recente relatório IPCC da ONU apontou que a situação do aquecimento global é alarmante.

Awazu Pereira:
Precisamos ver o progresso sobre a consciência destes riscos como um elemento muito positivo, pois faz parte das mensagens que os bancos centrais têm comunicado às suas respectivas sociedades. É preciso ver que a capacidade dos BCs de acionar muitos dos instrumentos que têm que ser mobilizados para combater a mudança climática não são sua responsabilidade direta, pois é necessário a criação de consenso, com coordenação, uma construção que está em curso. O NGFS tem fornecido cenários de mudanças climáticas aos bancos centrais que podem utilizá-los para recomendar aos seus sistemas financeiros testes de estresse homogêneos em relação ao tema. Instrumentos de análises de risco, metodologias, novos modelos, tudo está sendo fornecido pelo NGFS. Há também uma série de conferências com o setor privado, como a que o BIS organizou em junho. Os progressos estão acontecendo.

Ocorrerá em novembro a COP26 em Glasgow. Estão acontecendo reuniões entre as várias partes envolvidas com as políticas de combate ao aquecimento global. O setor privado está trabalhando em suas próprias avaliações de riscos e em alguns casos com recomendações de composições de ativos de seus portfólios. Também ocorrem avanços com a taxinomia do que são instrumentos verdes. Há também discussão sobre transparência na avaliação de riscos nos balanços de instituições financeiras. A urgência para enfrentar o tema é um ponto relevante e é verdade. O relatório recente IPCC mostra que é uma situação de urgência e os cientistas são unânimes sobre esta conclusão. Ninguém está minimizando a necessidade de ter medidas imediatas devido a dois motivos.

Um deles é que há evidências de que a atividade humana que está associada à emissão de gases que geram o efeito estufa é a principal causa do aquecimento global. As evidências científicas estão corroborando o que os modelos de projeções indicavam. O segundo motivo é que é pequeno o orçamento de emissões adicionais do qual nos dispomos antes de chegarmos a um ponto de inflexão da alta da temperatura média do planeta acima de 1,5 a 2 graus Celsius, da ordem de 400 a 450 gigatoneladas de gás equivalente a CO2. Estamos hoje num ritmo de emissão ao redor de 40 gigatoneladas de CO2 por ano. Isto significa que temos diante de nós entre 10 e 12 anos no atual ritmo antes de atingir um ponto além do qual, os melhores cientistas nos dizem, haverá irreversibilidade em termos das condições climáticas do planeta.

Broadcast: O senhor espera que os principais BCs no mundo, inclusive o Fed, adotem testes de estresse em bancos comerciais sobre riscos em seus ativos financeiros causados por mudanças climáticas?

Awazu Pereira:
O conjunto da comunidade está adotando várias medidas ao mesmo tempo, entre elas a melhora dos modelos de risco e a aprimoração dos testes de estresse diante de eventos físicos, como catástrofes naturais. Um esforço que está sendo muito relevante como indicação para a comunidade financeira é a necessidade de mais transparência dos balanços de instituições financeiras para medir melhor seus riscos através de uma política de disclosure das emissões. E isto dá mais clareza para auditores, investidores e contribui para termos uma ideia mais concreta da resiliência do sistema financeiro.

Broadcast: Quais as regulações que BCs podem implementar em 6 meses para restringir o surgimento de riscos de instabilidade financeira causados por mudanças climáticas?

Awazu Pereira:
Um elemento favorável que estamos observando é que desde a grande crise financeira global de 2008 houve uma melhora do ambiente regulatório e da resiliência das instituições financeiras. Esta resiliência está sendo importante durante a pandemia da covid-19 que ainda nos assola e mostra que foram necessárias as medidas implementadas.

O que precisamos pensar agora é como construir um conjunto coordenado de políticas em cada jurisdição e em nível internacional. A questão da coordenação é fundamental porque não se trata de identificar um instrumento particular e dizer que será a nossa salvação para mudanças climáticas, que existe uma bala de prata. É um processo envolvendo várias áreas de governo, não apenas os bancos centrais, mas também os Tesouros nacionais em relação à política tributária. Há a necessidade de coordenação internacional, pois nem todos os países têm recursos para financiar uma transição tecnológica para uma economia de baixo carbono.

Os bancos centrais também estão exercendo o seu papel, mas é muito mais uma tomada de consciência para planejamento e coordenação e pensar em uma política de transição. Há dois exemplos. Um deles é que as economias se tornarão cada vez mais digitais. A digitalização pode ser um elemento extraordinário para a redução da emissão de gases nas nossas economias. É claro que terá outros efeitos sobre o mercado de trabalho, mas a digitalização em si tem que ser vista como uma grande oportunidade. Outro fator são as políticas de investimento em novas tecnologias, em energias alternativas, uma transição que trará crescimento econômico mais inclusivo e sustentável, talvez num espirito Schumpeteriano.

Broadcast: Há lacunas de acesso à tecnologia dos países emergentes em relação aos avançados. Como as nações avançadas podem colaborar com as emergentes para ter acesso a essas tecnologias que ajudam muito na redução de emissões de carbono?

Awazu Pereira:
Um dos temas das conferências COP é o de fundos de investimentos de transição alimentados por recursos de países avançados para as nações em desenvolvimento. Este tipo de transição necessita desta transferência. Os bancos multilaterais de desenvolvimento têm um papel importante a desempenhar neste processo, além do setor privado financeiro, que está muito consciente da necessidade de encontrar as condições para financiar de forma rentável esta transição. Durante a revolução industrial no século 19 foi o setor bancário privado que financiou a evolução das sociedades agrárias para industriais. Este mesmo papel de financiador, com a cooperação e coordenação do setor público, pode levar ao que você sugere, que é uma transição de economias menos desenvolvidas para uma produção de emissão zero de carbono nas próximas décadas.

Broadcast: O FMI defende que o preço da tonelada de carbono seja de US$ 75. Como pode ser adotada uma referência internacional do preço de carbono se os EUA ainda não implementaram uma cotação para a emissão da tonelada de CO2?

Awazu Pereira:
Está ocorrendo a cooperação internacional e a discussão dos instrumentos avança em termos de nível de precificação e também em quais condições seria possível implementá-la de uma maneira local. Mais importante é ver que esta discussão está avançando do que focalizar algumas insuficiências que podem acontecer, pois este debate é complexo. Vamos ter na COP26 uma grande ratificação dos objetivos das COPs precedentes e será um momento notável para a comunidade internacional verificar os problemas colocados pelo relatório IPCC que são evidências alarmantes e demandam ações que estão sendo propostas e iniciativas práticas, como comprometimento com transparência e melhora na taxonomia. As nomenclaturas dos instrumentos verdes são um elemento essencial para os investidores terem confiança nos produtos de financiamento da transição. Enquanto não houver um esforço de precisão e homogeneização destes instrumentos financeiros será complicado convencer um investidor de que ele terá que utilizá-los.

O que precisa haver é a precificação da emissão de carbono como um elemento de um conjunto de políticas que necessitam ser implementadas de uma maneira global e coordenada. O que é característico das nossas dificuldades para a implantação de medidas de combate à mudança climática é a necessidade de encontrar consenso. Claro que a economia política sobre este tema é complexa, pois existem desigualdades entre nações e indivíduos de uma sociedade e cada um tem o direito de perguntar qual é o benefício futuro que terá com estas políticas contra o aquecimento global diante dos custos que terá que pagar. É preciso reconhecer essa complexidade, mas não ficar paralisados diante dela. Existem progressos parciais que estão ocorrendo com os quais o consenso tem que crescer e obviamente a política de precificação de carbono é uma dessas áreas, que incluem também nomenclatura, transparência, regulações e medidas de transferência de renda para compensar eventuais perdas de grupos com políticas de combate à emissão de carbono.

Broadcast: Como deve ser regulamentado o mercado de ativos financeiros verdes, entre eles os green bonds, com padrões internacionais de transparência?

Awazu Pereira:
Estes ativos financeiros necessariamente precisam melhorar as suas taxonomias. Existe hoje uma definição internacional sobre o que são green bonds e são necessários critérios para o destino dos recursos levantados por estes instrumentos, o que está sendo refletido e aprimorado. Da mesma forma, será necessário padronizar mais precisamente a definição dos critérios ESG que influenciam algumas políticas de investimentos.

Broadcast: Como as regulações sobre crypto assets, inclusive por bancos centrais, podem fazer com que estes ativos gastem muito menos energia no seu processo de "mineração"?

Awazu Pereira:
Os ativos crypto que são promovidos como alternativas a moedas de países não são moedas e nem alternativas, são apenas ativos altamente especulativos. Deveríamos utilizar mais a energia investida na criação de estes ativos para fins sociais mais úteis do que para a procura deste tipo de lucratividade, inclusive pelo elevadíssimo custo ambiental que representam.

Contato: ricardo.leopoldo@estadao.com
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