Economia & Mercados
22/06/2020 09:13

Juro zero abre espaço para mercado de capitais superar bancário para empresas


Por Cynthia Decloedt e Fernanda Guimarães

São Paulo, 23/06/2020 - A taxa de juro real próxima de zero no Brasil poderá trazer uma mudança inédita para as empresas brasileiras. Pela primeira vez na história se vislumbra a possibilidade de o mercado de capitais brasileiro emergir como melhor opção para a composição de caixa e investimento pelas companhias, deixando de lado o tradicional crédito bancário, que sempre foi a primeira ou única alternativa. Com o apetite crescente de investidores por ativos de maior risco para manter rentabilidade em suas carteiras - a despeito da pandemia e da crise política no Brasil - a porta de captação se abriu para as empresas em um momento em que um grande número delas precisa de dinheiro para atravessar a crise que eclodiu junto à covid-19 e viram a torneira se fechar no crédito bancário, com restrições previstas por pelo menos 12 meses, na projeção de especialistas.

Com isso, a expectativa é que o mercado brasileiro se aproxime de condições notadas há décadas em outras economias, nunca possíveis por aqui pelo histórico de juros altos permitindo que títulos sem risco - tal qual os papéis do tesouro - ganhassem quase todo o espaço das carteiras de investimentos. Agora o jogo mudou: papéis de mais risco como ações, debêntures incentivadas e até entre ativos alternativos, como private equity, começam a fazer parte dos portfólios, com investidores ávidos por diversificação e o esperado aumento de retorno.

Até aqui, o volume de novas operações ainda é tímido, já que são grandes ainda as dúvidas sobre qual será o novo normal da economia e o tamanho do estrago trazido pela covid-19. No entanto, elas começam a acelerar. Empresas já captaram quase R$ 8 bilhões na bolsa em meio à pandemia. Apenas a Via Varejo fez uma oferta de R$ 4,4 bilhões. Isso deixa claro que, desde o ano passado, os investidores estão se habituando a novas opções de investimento e o atual nível de taxa de juro promete empurrar um contingente ainda maior de interessados na diversificação. Outras empresas, com dificuldade de acessar o crédito bancário, são aguardadas para realizarem operações no mercado.


Foto: Gabriela Biló/Estadão

O presidente da B3, Gilson Finkelsztain, disse em um podcast do Itaú BBA, que as taxas de juros cada vez mais baixas estão induzindo a diversificação de ativos nas carteiras. O executivo comentou que essa ida para o mercado de renda variável não significa que houve uma migração da renda fixa - classe que também vem batendo recorde de entrada de novos investidores - mas por conta exatamente da diversificação dos portfólios. "Investidores estão com uma cabeça diferente, buscando novas oportunidades, olhando longo prazo", diz. O número de investidores pessoas físicas na base da B3 não para de crescer e atingiu em maio 2,5 milhões, novo recorde.

Mas não é só o fenômeno do juro zero que está provocando uma mudança na forma que as empresas se financiam. Para mitigar os efeitos da pandemia nas economias, Bancos Centrais, especialmente o dos Estados Unidos, o Fed, estão injetando trilhões de dólares no mercado, dinheiro que já está circulando em busca de algum retorno, cada vez mais raro em ativos de menor risco.

Carteira cheia

Entre as opções relacionadas à dívida das empresas, as debêntures incentivadas e outros títulos, como certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), têm atraído investidores, acima das debêntures tradicionais, por conta da isenção do imposto de renda que justifica a decisão de investimento. O público ainda está concentrado entre as pessoas físicas mais endinheiradas, mas a expectativa é de que emissões para os investidores com menor capacidade de financeira aconteçam no segundo semestre. Os bancos têm também absorvido uma parte das operações, enxergando a possibilidade de ofertar esses papéis em um segundo momento, quando a demanda ficar mais evidente.

Outro paradigma que está sendo quebrado com o "juro zero" é o da liquidez quase que imediata dos investimentos. Todas as opções que despontam exigem paciência do investidor para a obtenção de retorno e muitos já entenderam que isso faz parte do novo momento.

Investidores mais sofisticados começam a tatear também opções mais alternativas, como ações, títulos de dívida e ativos, como precatórios, de empresas em situação financeira mais frágil e que não encontram público nos mercados tradicionais ou nos bancos. Nesse caso, é preciso estômago e paciência, já que o risco é maior. Mas por outro lado, as remunerações estão entre as mais elevadas entre as demais categorias de investimento. Um levantamento feito pela plataforma Bloxs Investimentos identificou que 42,1% de um universo de 932 investidores pesquisados pretendem direcionar até R$ 100 mil à categoria nos próximos 12 meses.

Contato: cynthia.decloedt@estadao.com e fernanda.guimaraes@estadao
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