Economia & Mercados
11/02/2021 15:00

Especial: Apoiada pelo governo, compra privada de vacinas é paralisada em meio a mistérios


Por Eduardo Laguna

São Paulo, 11/02/2021 - As movimentações no setor privado visando a importação de vacinas contra covid-19 esfriaram diante da repercussão negativa da iniciativa e da completa ausência de garantia sobre a disponibilidade de um estoque de 33 milhões de doses do imunizante para pronta-entrega. Além disso, lideranças industriais que embarcaram na proposta não sabem explicar até hoje a origem da oferta e como se daria o processo.

O grupo interessado em trazer as vacinas ao Brasil - direcionando metade do lote a funcionários e a outra metade ao Sistema Único de Saúde (SUS) - ganhou destaque e adesões há duas semanas, quando recebeu aval do governo para levar a ideia adiante. Mesmo após as negativas de fornecimento ao mercado privado, tanto da AstraZeneca quanto do fundo de investimento BlackRock, que é um dos sócios da farmacêutica que desenvolveu a vacina anticovid com a universidade de Oxford, lideranças de associações setoriais e articuladores do projeto seguiram assegurando a continuidade das negociações.

Ao consultarem seus associados, porém, ouviram que, embora exista interesse das empresas em imunizar funcionários, elas só topariam seguir em frente se houvesse certeza de que a quantidade demandada de vacinas está mesmo disponível e se seu fornecedor fosse apresentado.

Na segunda-feira da semana passada, a mensagem foi levada a uma reunião de entidades da indústria que formam a coalizão que liderou publicamente a ideia de importar as vacinas. Não houve resposta às condições colocadas pelas empresas e o encontro terminou sem qualquer encaminhamento. Tampouco houve agendamento de uma nova reunião para voltar a discutir o assunto, de modo que as gestões estão suspensas.

O clima, antes de empolgação, com previsões de que seria possível trazer o primeiro lote das vacinas ao País em sete dias, passou a ser de desânimo. De acordo com lideranças de associações industriais ouvidas pelo Broadcast, nada de novo aconteceu após o último encontro. A existência do lote e o nome do fornecedor por trás do estoque de 33 milhões de vacinas que puxou a mobilização ainda são mistérios a serem desvendados.

Além dos riscos relacionados à falta de informações básicas, que por si só já levaria o negócio a ser barrado pelos códigos de compliance das companhias, as empresas ficaram assustadas com a repercussão negativa que, desde o primeiro momento, levou grandes grupos, como Vale, Ambev e Itaú, a se dissociarem do movimento, a fim de evitar danos de reputação.

Apesar do argumento de que a iniciativa permitiria acelerar o programa de imunização por trazer um volume adicional de vacinas que não chegaria ao Brasil sem a interferência privada, causou grande desconforto a crítica comum aos privilégios e elitização contidos na ideia de vacinar empregados de empresas antes de pessoas mais vulneráveis ao vírus ou sem acesso ao mercado de trabalho formal. Ou seja, de que a compra dos imunizantes seria uma forma de o setor privado furar a fila da vacinação.

"As empresas mostraram insegurança com a falta de informações sobre quem seria o embarcador. Também quiseram saber se a informação sobre o estoque de 33 milhões de vacinas é mesmo fidedigna. Essas confirmações nunca chegaram. Ouvimos nomes [de supostos negociadores] pela imprensa, mas, de fato, de concreto, nada aconteceu", diz Ciro Marino, presidente-executivo da Abiquim, associação que representa a indústria química e integra a coalizão industrial que levantou a ideia de importar vacinas.

"A resposta mais comum foi: 'minha empresa não vai se posicionar enquanto a coisa não for transparente'. A questão reputacional também pesa. No dia que tivermos algo mais concreto, certeza da origem, bom encaminhamento das negociações, com participação de órgãos do governo, retomamos a conversa. Se não, morre e acabou", acrescenta o executivo.

Sob a liderança da empresária Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, outro grupo de empresas foi formado para dar respaldo a um avanço mais rápido do programa nacional de imunização, porém refutando a polêmica ideia de importação de vacinas. O propósito, entre outras frentes de trabalho, é remover entraves logísticos e promover campanhas de conscientização.

Fora dessa iniciativa, outras movimentações evoluem no setor privado em apoio à vacinação. Entre elas, a Anfavea, entidade que representa a indústria nacional de veículos, diz que as montadoras vão colocar os ambulatórios de suas fábricas à disposição das prefeituras para imunização das populações dos 44 municípios onde as os fabricantes de automóveis estão presentes. "Decidimos levar em frente essa contribuição, primeiro internamente e agora vamos falar com as prefeituras", diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.

Contato: eduardo.laguna@estadao.com
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