Economia & Mercados
21/07/2021 14:13

Especial: Cada vez mais globais, techs vivem dilema entre exigir inglês e apagão de talentos


por Leon Ferrari, especial para o Broadcast

Quando a fintech FacilitaPay abriu processo para preencher quatro novas vagas em maio deste ano, privilegiou candidatos que moravam em Belo Horizonte e poderiam trabalhar presencialmente no escritório, localizado na capital mineira. A exigência esbarrou no domínio de inglês dos interessados: somente uma vaga foi preenchida. A solução foi aproveitar o momento da pandemia para flexibilizar o critério de localização. Os outros três escolhidos trabalharão de home office do Paraná, do Mato Grosso e de São Paulo, mas não devem ter problemas para lidar com os projetos da empresa, 98% deles voltados para o mercado externo.

Como a fintech mineira, outras empresas de tecnologia lidam com a dificuldade de encontrar profissionais para preencher vagas no setor. E a falta do domínio de um segundo idioma acaba sendo uma barreira adicional. Apenas 32,4% dos candidatos da área de tecnologia dominam a língua inglesa no País, segundo levantamento inédito da Revelo, maior startup de tecnologia no setor de recursos humanos na América Latina. A análise considerou os cerca de 1,5 milhão de pessoas cadastradas no RH Tech, banco de candidatos da empresa.

A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) calcula que o déficit total na área esteja hoje em 24 mil profissionais formados.

Segundo Juliana Carneiro, especialista em experiência do candidato e Diretora de Marketing da Revelo, a pandemia tornou o problema mais evidente. Ela avalia que a falta de pessoas qualificadas faz sobrar vagas nos vários segmentos da tecnologia que estão aquecidos desde o início da crise sanitária.

Para a FacilitaPay, que lida com operações financeiras cross-borders, contratar um candidato que não fale fluentemente em inglês não é uma questão de opção. "O profissional precisa ter o listening e o speaking muito bons, não basta apenas saber ler e escrever", afirma Rodrigo Corrêa, diretor de vendas da FacilitaPay.

Côrrea acredita que a economia brasileira pode acabar não se aproveitando do aquecimento global do mercado de tecnologia. Na visão dele, a dificuldades para contratar um profissional brasileiro pode inclusive motivar buscas no exterior, graças à possibilidade do trabalho remoto.

Gustavo Salles, CEO da SalesHunter, que presta serviço de recrutamento para empresas de tecnologia, aponta a fluência em inglês dos candidatos como um dos principais "gargalos no processo de contratação." A busca pelo profissional ideal pode demorar ainda mais, na visão dele, quando há a adição do conhecimento do idioma nas exigências de uma vaga. "Em média levamos pouco mais do que um mês para encontrar um profissional da área de tecnologia. Quando é necessário o inglês fluente, o prazo aumenta para 45 ou 50 dias."

A área de tecnologia é a expressão mais visível de um mundo sem barreiras que se expandiu na pandemia. O inglês acaba sendo o ponto de conexão. "Não estamos distantes do momento da história brasileira de tecnologia em que o inglês se tornará uma habilidade mandatória", afirma João Pedro Perez, CEO da BRQ Digital Solutions.

Na multinacional Hitachi Ventara, isso já é realidade. "Não contratamos colaboradores que não tenham um mínimo de fluência em inglês para se comunicarem, lerem documentos, e-mails e até mesmo participarem de eventos, reuniões e atividades em geral com nossas equipes de outras geografias", diz Paulo Henneberg, líder de marketing na Hitachi, fabricante de tecnologia.

Mesmo enfrentando dificuldades para econtrar profissionais fluentes para a DigiBee, Peter Kreslins, CTO da scale-up brasileira de tecnologia, que já gerenciou equipes em toda a América Latina, afirma que, em relação ao conhecimento básico da língua inglesa, o Brasil está melhor do que os demais países. Entre os brasileiros que declaram ter nível intermediário de inglês, a taxa sobe alguns pontos porcentuais e chega a 38,4%, de acordo com o levantamento da Revelo.

Kreslins explica que os desenvolvedores de software, em geral, possuem "traquejo" para compreender textos técnicos e aplicar o conhecimento. "Perdemos terreno quando o que se exige é uma habilidade maior na língua inglesa, ao ponto de ser necessário argumentar e persuadir", afirma Kreslins.

Formação

Para poder dar sequência à estratégia de expansão internacional, a solução muitas vezes é tentar contornar a questão do idioma com treinamentos próprios e flexibilizar a exigência na hora da contratação.

De olho no território norte-americano, a BRQ está investindo em um programa de treinamento em línguas para os funcionários. A LogComex, startup curitibana que oferece soluções de tecnologia para comércio exterior, também focou na formação própria dos colaboradores na língua inglesa.

Como explica Silvia Petreca, Tech Recruiter na empresa, antes mesmo dos projetos internacionais se tornarem foco, a empresa já oferecia de forma gratuita aulas de inglês aos funcionários, que precisavam arcar apenas com o valor do material didático.

Silvia conta que o processo seletivo da LogComex foca mais na experiência profissional do candidato do que em sua formação ou desenvoltura na língua inglesa. "Acreditamos que a escolaridade não importa tanto quanto a vontade de vestir a camisa da empresa", afirma. "Entendemos que muitas pessoas não têm tempo de fazer uma escola de inglês depois do trabalho, por exemplo."

Contato: leon.ferrari@estadao.comQ
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