Economia & Mercados
07/06/2021 08:38

Especial: Tributação unificada na renda fixa é 'vespeiro' em bancos, agronegócio e construção


Por Ernani Fagundes

São Paulo, 04/05/2021 - No 25 de maio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou a proposta de unificar em 15% a alíquota de imposto de renda sobre ganhos de capital de aplicações de renda fixa. Hoje, a tributação na fonte pela Receita nesse tipo de aplicação vai da isenção fiscal (zero) para pessoas físicas em determinados investimentos (LCI, LCA, CRI, CRA) até 22,5% para aplicações como CDB, RDB, LF e LC, que tenham resgate em até seis meses.

Segundo profissionais de mercado e tributaristas consultados pelo Broadcast, Guedes "mexeu num vespeiro" e, se passar pelo Congresso, a proposta pode afetar a captação de instituições financeiras menores (bancos, fintechs e financeiras) e de recursos dos setores do agronegócio e da construção civil. O vespeiro possui tamanho considerável, de R$ 411 bilhões em estoque, sendo R$ 152 bi em LCA, R$ 117 bi em LCI, R$ 87 bi em CRI e R$ 55 bi em CRA, segundo dados da B3 e da Anbima.

Na visão de Odair Silva, sócio da consultoria tributária Grant Thornton Brasil, a proposta do ministro é de simplificação das alíquotas da renda fixa, mas tende a elevar a carga tributária por causa do aumento da base de contribuintes que antes estavam em aplicações isentas. "Não é saudável para o País elevar mais os impostos, cuja carga entre 34% a 35% já é superior a de muitos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)", afirma. "Os setores do agronegócio e da construção civil são os pilares da economia e devem ser impactados na captação de recursos."

A bancada ruralista é considerada suficientemente forte para barrar qualquer perda de benefícios fiscais em letras de crédito do agronegócio (LCAs) e em certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs). No embate mais recente, na terça-feira (01/06), a bancada convenceu mais parlamentares a derrubar o veto do executivo à isenção do IR do Fiagro, o fundo de investimento do agronegócio, que ficou pela legislação, com vantagem fiscal similar aos fundos de investimentos imobiliários (FIIs) e as debêntures incentivadas de infraestrutura.

"Sem os vetos, o Fiagro se torna o principal instrumento para o financiamento do agronegócio, fomentando esse mercado, além de ser excelente alternativa para o investidor, principalmente com a isenção da tributação", afirma Carlos Ferrari, sócio do NFA Advogados e especialista em mercado de capitais.

Na avaliação de Ana Cláudia Utumi, sócia fundadora da Utumi Advogados, a proposta de unificação das alíquotas de tributos na renda fixa precisa ser bem avaliada pelo Congresso, pois além dos riscos para captação de recursos e crédito para o agronegócio e a construção, pode desestimular a poupança de longo prazo. "O agronegócio e a construção civil são motores da economia em geração de empregos e a proposta precisa de uma avaliação melhor, mas talvez diante do déficit fiscal gigantesco, o governo fique sem espaço para fechar as contas e manter os estímulos a esses setores", afirma.

Impactos nos investimentos financeiros

Para Gilberto Paim, gestor de crédito privado da Galápagos Capital, se aprovada, a proposta vai aumentar a arrecadação para o governo, mas também "provocar uma reorganização" em todo o segmento de renda fixa bancária e privada. "A isenção do IR para pessoa física é um benefício fiscal. Sem esse incentivo, o mercado vai se reorganizar em outras bases", diz.

Paim afirma que o Banco Central terá de olhar com atenção à questão das LCIs e LCAs no sistema financeiro. "Tem muitas instituições que se financiam por essas operações para dar crédito, principalmente as menores", diz.

Em relação a possíveis impactos para fundos de investimentos, ele diz que a aprovação abriria mais oportunidades para os gestores alocarem CRIs e CRAs em suas carteiras. "O investidor pessoa física ficava com boa parte, por causa isenção do IR. Com a tributação igual, se abre a oportunidade para os fundos de crédito privado terem esses papéis", afirma.

Para ele, a redução da tributação em CDBs, LFs (letras financeiras), LCs (letras de câmbio) e RDBs (recibos de depósito bancário) vão chamar a atenção do investidor para o curto prazo. "A tabela regressiva do imposto sobre ganho de capital é utilizada para alongar o prazo na aplicação. Com a alíquota igual (15%), o investidor prefere ficar no curto", afirma.

Já Thiago Carlétti Maitam Rizzo, sócio da Golden Investimentos, só vê aspectos positivos para o investidor. "Os bancos vão pagar mais se quiserem recursos para o longo prazo, as taxas de CDBs e outras letras terão de aumentar, isso é positivo para o aplicador", diz.

Por outro ângulo, Rizzo afirma que o novo modelo pode causar "certas anomalias", pois alguns produtos ainda vão manter a isenção fiscal dos ganhos de capital (debêntures de infraestrutura, fundos imobiliários e Fiagro), mas podem ser taxados mais para frente com a tributação dos dividendos, na segunda fase da reforma tributária. "A proposta (de tributação de dividendos) não agrada nem gregos, nem troianos", diz.

Juliana Machado, professora de finanças da Faculdade Fipecafi, também diz que a unificação da alíquota de IR sobre ganhos de capital na renda fixa vai ter impacto na captação do Sistema Financeiro. "Os bancos vão remunerar melhor para o longo prazo. LCIs e LCAs vão perder atratividade, e as instituições vão preferir emitir mais CDBs, pois o investidor tende a migrar para o CDB no curto prazo", afirma.

Segundo ela, os setores prejudicados tentarão antes barrar as mudanças no Congresso. "É provável que tenha algum movimento para pleitear compensação", afirma.

Contato: ernani.fagundes@estadao.com
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso