Economia & Mercados
22/12/2021 15:13

Especial: Com autonomia, BC pode se comprometer com meta de outro governo pela 1ª vez


Por Thaís Barcellos e Eduardo Rodrigues

Brasília, 22/12/2021 - Com a autonomia formal aprovada em 2021, o Banco Central está "blindado" das eleições presidenciais. Além de estar mais protegido de pressões populistas durante o pleito, a autoridade monetária também pode, pela primeira vez, se comprometer com as metas inflacionárias de outro governo.

E, se por um lado o mercado financeiro tem baixa convicção no cumprimento da meta de inflação em 2022, mostra confiança que o BC vai buscar a convergência "ao longo do horizonte relevante" após a mensagem dura do último Comitê de Política Monetária (Copom).

Isso tem ficado cada vez mais claro no Boletim Focus. Embora a mediana para 2022 permaneça acima do teto da meta (5,00%), em 5,03%, as projeções para 2023 e 2024 vêm cedendo após "fugirem" do objetivo a partir do início de novembro. Estavam em 3,40% e 3,00%, respectivamente, na última pesquisa, contra 3,25% e 3,00% das metas (com banda de 1,50 ponto porcentual), nessa ordem.

Para o chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV e ex-diretor do BC, José Júlio Senna, sem a autonomia, a situação inflacionária do País seria muito mais difícil, em especial devido ao momento de desarranjo fiscal e à proximidade de eleições, em que o governo quer mostrar bons resultados econômicos.

"Se não fosse a aprovação da lei, seguramente estaríamos vendo problemas de desencontros entre o Executivo e a autoridade monetária nessa própria administração. Se não tivesse a autonomia, só haveria duas possibilidades: ou os diretores de se curvariam a pressões políticas ou haveria mudanças no BC. E eu não consigo ver os atuais diretores do BC cedendo a pressões políticas para fazer diferente do que acham que precisa ser feito."

Na avaliação de Senna, o BC age certo em endurecer o tom e indicar que os juros devem avançar "significativamente" em terreno contracionista, para não adicionar uma inflação permanente à longa lista de problemas sociais do País. O ex-BC espera que a Selic fique um pouco acima de 12% no fim do ciclo.

"O fato de a curva longa ter cedido um pouco depois do Copom mostra confiança que vai dar certo", diz, acrescentando que um resultado da inflação dentro da margem de tolerância no ano que vem (até 5,00%) já será uma "grande vitória".

Sem acreditar no cumprimento da meta em 2022 (projeção de 5,50%), Carlos Kawall, diretor da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, porém, argumenta que a autonomia dá previsibilidade de que a atuação forte e focada na ancoragem inflacionária defendida agora pelo BC deve continuar independentemente de uma eventual mudança de governo. Para 2023, a instituição espera que a inflação atinja o centro da meta, em 3,25%.

Isso porque a lei de independência formal do órgão estabelece mandatos fixos para os diretores, não coincidentes com o do chefe do Planalto. O presidente do BC, por exemplo, fica no cargo até 31 de dezembro de 2024. "Antes, a transição da eleição sempre era complexa. Não sabíamos quem seria o próximo presidente do BC e os diretores, e o que fariam depois de nomeados. Agora teremos continuidade", explica, destacando o tom duro - e correto - do BC no combate à inflação.

José Márcio Camargo, da Genial Investimentos, lembra que a autonomia do BC já passou no teste em 2021. "O Copom já aumentou os juros em mais de 7 pp desde março e ninguém reclamou, o que é completamente diferente de qualquer outro episódio semelhante no passado. Todo mundo reclamava, o Planalto, os ministros, o Congresso, a Fiesp. Dessa vez, o BC toma as decisões e todo mundo aceita", avalia.

O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, acrescenta que o BC está livre até mesmo para causar uma recessão para combater a inflação. "O PIB vem sendo revisado sistematicamente para baixo, mas a culpa de origem não é do BC. Quem está derrubando o PIB é o descalabro fiscal dos políticos com aval do (ministro da Economia) Paulo Guedes. É isso que leva à desancoragem de expectativas que força o BC a reagir com mais força. A pretensão de expansão do programa social é interessante, mas precisa ter sustentabilidade, senão tira mais recursos - via juros e PIB - do que injeta na economia", avalia.

Mesmo assim, ele lembra que o próximo governo poderá alterar completamente a composição do Banco Central ao longo dos quatro anos de gestão. "No fim das contas, não estamos falando de uma substituição agora, mas uma eventual substituição na metade do próximo governo. É benéfico hoje, mas se o presidente Campos Neto fosse avaliado como 'péssimo', estaríamos falando o contrário. A vantagem é conjuntural", pondera Sanchez.

Contato: thais.barcellos@estadao.com; eduardor.ferreira@estadao.com
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