Economia & Mercados
11/02/2022 16:28

Especial: Iniciativas de regulação de criptomoedas crescem no mundo, mas sem atuação coordenada


Por Thaís Barcellos

Brasília, 11/02/2022 - Em meio ao crescimento do mercado de criptomoedas, as iniciativas de regulação têm crescido no mundo. São poucos os países que já contam com legislações abrangentes, mas organismos internacionais e autoridades nacionais têm se movimentado para prevenir os riscos e também para não perder as oportunidades. Cada nação tem adotado uma estratégia para manter esse mercado sob controle e as regras variam bastante, apesar dos pedidos do Fundo Monetário Internacional (FMI) de atuação coordenada.

Na maioria dos casos, as autoridades financeiras nacionais estão à frente do processo, mas, como o universo de criptoativos é abrangente - podendo funcionar como investimento, meio de pagamento ou ainda para acessar algum benefício específico (utility tokens) - é comum que algumas atividades sejam reguladas e outras não dentro de um mesmo país.

Dentre os locais com legislações mais avançadas, destacam-se o Japão, Cingapura e outros menores que tentam se firmar como "hub". El Salvador, por exemplo, é a única nação que reconhece uma criptomoeda, o bitcoin, como divisa nacional. Na outra ponta, a China proibiu no ano passado atividades ligadas a criptomoedas, caminho que o Banco Central da Rússia gostaria de seguir, mas parece não ser endossado pelo presidente do país, Vladimir Putin.

Conhecido por sua alta volatilidade, o mercado de criptoativos chegou a superar US$ 3 trilhões em novembro do ano passado, conforme a plataforma CoinGecko, mas logo em seguida entrou em trajetória de baixa acentuada, especialmente devido à perspectiva de alta de juros nos Estados Unidos, aponta a gestora de criptomoedas Hashdex. Ainda assim, o NCI (Índice de Criptoativos da Nasdaq), a bolsa americana de tecnologia, fechou 2021 com valorização de 102%.

O FMI atesta esse crescimento forte nos últimos anos e também a expansão das conexões com o sistema financeiro regulado, o que coloca desafios à estabilidade financeira. Há também receio do impacto da adoção dos ativos como moeda oficial, especialmente em mercados emergentes e em desenvolvimento.

O professor do Departamento de Economia da PUC-Rio Márcio Garcia lembra ainda que é importante a regulação para prevenir lavagem de dinheiro e combater o financiamento do terrorismo e de outras atividades criminosas que se aproveitam da atual falta de controle do mercado.

O FMI nota que os países estão adotando estratégias muito diferentes e afirma que regras nacionais são limitadas e que medidas regulatórias descoordenadas podem facilitar fluxos de capital "potencialmente desestabilizadores". Por isso, defende que o Comitê de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês) desenvolva uma estrutura global com padrões para regulamentação.

Para o fundo, seria adequado exigir autorização para prestação de serviços com ativos digitais e conformidade de regras entre criptoativos e produtos correlatos já regulados. Por exemplo, se usados para pagamentos, deveriam ser regulados por bancos centrais.

O Resumo de Regulação de Criptoativos de 2022 da Nasdaq aponta avanços recentes em 28 economias-chave. Segundo o documento, o Japão foi o primeiro país a ter um sistema legal para regular a negociação de criptoativos, em 2016, mas vem propondo mudanças para endurecer as regras. Da mesma forma, Singapura, Abu Dhabi e Bermudas têm legislações amplas sobre o tema.

Propostas

Dentre os eventos mais recentes, destacam-se as novidades dos Estados Unidos e da Índia. Na maior economia do mundo, a SEC, xerife do mercado de capitais, divulgou, em janeiro, uma proposta que pode colocar as exchanges sob sua regulação, no caso de compra e venda de ativos virtuais considerados valores mobiliários.

A proposta é que as exchanges sejam caracterizadas como uma corretora ou sistema alternativo de negociação, segundo a chefe de regulação e design de produto da plataforma Mercado Bitcoin, Juliana Facklmann. "É uma proposta muito interessante, porque o credenciamento para praticar a atividade seria feito por um autorregulador, a autorização seria descentralizada e mais simples, dando segurança ao mercado sem impedir a concorrência."

O mercado futuro de criptoativos nos EUA já é regulado pela Comissão de Negociação de Futuros de Commodities. Já o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) não parece ter pressa para atuar, mas o presidente do BC americano, Jerome Powell, prometeu divulgar um relatório sobre criptomoedas em breve.

Na Índia, o governo informou no início do mês que vai taxar em 30% os lucros com moedas virtuais e que deve lançar sua CBDC, a rúpia digital, até o ano que vem, movimento que foi visto no setor como um passo para regulação.

As CBDCs são um esforço de autoridades monetárias ao redor do mundo para manter a soberania da moeda em um ambiente de crescimento de criptomoedas em geral, mas, em especial, de stablecoins, criptoativo de emissão privada com lastro em um ativo real, por isso mais estável.

"Hoje, o regulador já entendeu que é um caminho sem volta. Fazer uma CBDC é uma forma de estar dentro da competição", diz Rudá Pellini, presidente da Arthur Mining, mineradora de ativos digitais que opera nos Estados Unidos e autor do livro "O Futuro do Dinheiro", que acredita que será um grande desafio para os reguladores nos próximos anos.

Dentre as propostas em estudo, Facklmann, do Mercado Bitcoin, destaca que a União Europeia tem um projeto bastante abrangente em tramitação no Parlamento, mas destina-se a utility tokens e meios de pagamento, sem abarcar investimentos.

Dentro do bloco, a França quer se firmar como um país aberto ao mundo cripto e o governo também está trabalhando em um arcabouço legal, mas o Banco da França não considera que os criptoativos podem substituir moedas soberanas, e a lei tampouco permite que sejam usados como meios de pagamento.

No Brasil, há alguns projetos em discussão no Congresso e a tendência é criação de regras básicas para o mercado, que devem ser mais bem detalhadas em regulamentação posterior, provavelmente a cargo do Banco Central. “O resumo é que não é um movimento coordenado. Cada país está vivendo sua experiência, fazendo o melhor que pode”, sintetiza Facklmann.

Ela reconhece que a multiplicidade de regras pode ser um entrave para o setor em algum momento, mas avalia que, apesar da falta de coordenação, há um "espírito confluente", até porque nenhum país quer ficar para trás e perder as oportunidades que esse mercado inovador pode oferecer.

Contato: thais.barcellos@estadao.com
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