Agronegócios
21/07/2021 08:41

Milho: preço interno elevado estimula reversão de contratos de exportação para mercado doméstico


Por Isadora Duarte e Leticia Pakulski

São Paulo, 21/07/2021 - Diante dos preços remuneradores pagos pelas indústrias de etanol e de ração pelo milho, tradings vêm redirecionando ao mercado interno lotes de contratos previamente fechados para exportação. A transferência vem ocorrendo ao longo dos últimos dois meses, mas ficou mais intensa a partir do fim de junho, quando a safrinha nacional foi prejudicada por geadas. Consumidores domésticos pagam até R$ 16 por saca do cereal acima dos valores cotados para o mercado externo, segundo operadores de mercado.

Na primeira semana do mês, uma trading reverteu embarque de 60 mil toneladas para venda a indústria de etanol em Mato Grosso, conta o corretor Gilmar Meneghetti, da Meneghetti Corretora de Cereais, de Campo Verde (MT). Segundo o agente, a venda para usina de etanol se deve ao fato de os preços pagos pelos processadores da região serem superiores aos ofertados pelos exportadores. Ele aponta que a diferença, geralmente de R$ 3 a R$ 4 por saca, está entre R$ 10 e R$ 12 por saca.

Consumidor doméstico propunha na segunda-feira (19) R$ 80 a R$ 81 por saca FOB para retirada em julho e pagamento em agosto, enquanto exportador indicava de R$ 68 a R$ 70 por saca nas mesmas condições. "Há um descolamento das cotações e deve aumentar ainda mais essa margem", diz Meneghetti. Ele prevê que a partir de setembro essa disparidade será ainda maior em virtude da procura acentuada do cereal para ração e firme demanda para biocombustível. Outro motivo atribuído para a elevada rentabilidade dos preços internos é a perspectiva de quebra na safrinha nacional nas principais praças produtoras, em decorrência da seca severa e das geadas que afetaram o desenvolvimento do cereal. A safra de inverno está sendo colhida no País.

O mecanismo de reversão, chamado de washout, é previsto nos contratos entre as tradings e os compradores internacionais, explica Leon D'avalo, da Granos corretora, de Campo Grande (MS). "É um instrumento utilizado quando o mercado exportador está menos competitivo que o interno. A trading ou fornece o cereal de outro país para o importador ou paga uma diferença de liquidação de contrato", explica. Ele também relata ter ouvido no mercado relatos de que tradings estariam aderindo ao mecanismo, mas sem menção a volumes e preços. "Em anos normais, os preços mantêm paridade, a depender do câmbio e de variáveis de oferta e demanda. Então, as exportações ocorrem normalmente e o mercado interno tem consumo normal. Mas estamos em um ano atípico, com consumo doméstico aquecido e quebra da safrinha", disse D'avalo. De acordo com o corretor, ontem indústria de ração de Santa Catarina pagava R$ 95/saca CIF, enquanto a oferta para cereal posto em porto do Estado era de R$ 78/saca nas mesmas condições.

O corretor Rafael Cerci da Perfil Agrícola, de Nova Mutum (MT), revelou ter ouvido rumores de venda para usina de etanol de 50 mil toneladas de milho em poder de trading. "Volumes e valores exatos não sabemos, porque as empresas não abrem esses números", afirma. A transação teria ocorrido nos últimos dias na região de Nova Mutum. Os lotes também seriam inicialmente destinados à exportação. "Tradings estão trocando as posições, porque compraram barato lá atrás e estão revertendo para mercado interno", diz Cerci. Ele acrescenta haver redirecionamento dos lotes tanto para fábrica de ração quanto para indústria de etanol. "O preço está muito mais alto. A demanda está elevada também. Teremos uma quebra de 30% na segunda safra do milho de Mato Grosso por falta de chuva", pontua. De acordo com a fonte, em virtude dos fundamentos atuais de mercado essa mudança de destino dos contratos está mais forte que o habitual.

Outra corretora reforça os relatos. Diz ter visto aquisição de "volume" por companhias com operação em Goiás. "Elas fazem a conta e veem o que vale mais a pena: vender aqui ou exportar. Várias estão fazendo washout: Gavilon, Bunge, Dreyfous", relata. "ADM, Bunge, Cargill, Cofco, entre várias outras, estão redirecionando os lotes", afirma outro operador de mercado. Um sexto operador conta que observou compra de 6 mil toneladas de milho por usina de etanol na região de Sorriso (MT) via trading no fim de maio. "Algumas tradings estão vendendo volumes consideravelmente grandes para o mercado interno", diz o corretor. Agente do Paraná também relatou ter visto tradings redirecionando volumes de exportação para abastecer o mercado interno, que, além de absorver essas cargas, também já faz cálculos para importar da Argentina.

Procuradas pela reportagem, Bunge, Gavilon, Cargill e Louis Dreyfus Company informaram que não vão comentar o assunto. Cofco, ADM e Amaggi ainda não responderam aos pedidos de comentários.

Contato: isadora.duarte@estadao.com; leticia.pakulski@estadao.com
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