Agronegócios
26/10/2020 08:50

Especial: Caramuru conquista mercados e amplia exportações com monitoramento ambiental


Por Clarice Couto

São Paulo, 23/10/2020 - A Caramuru Alimentos, gigante do agronegócio que atua em processamento de soja, milho e girassol e nos segmentos de consumo, nutrição animal, industrial e biocombustíveis, vem colhendo frutos de um amplo trabalho de sustentabilidade com produtores de quem adquire matérias-primas, iniciado em 2015. Naquele ano, a empresa criou o Programa Sustentar, que teve como primeiro passo checar se os agricultores fornecedores constavam de listas de embargos ambientais do Ibama ou na de trabalho análogo à escravidão, elaborada pela organização Repórter Brasil. A iniciativa evoluiu para a adoção de softwares, a partir de 2019, que monitoram uma base bem maior de dados e permitem à companhia comprovar para seus clientes a origem dos grãos. Com isso, a Caramuru entrou em mercados exigentes como Canadá e Austrália, assim como México e Equador, conta o diretor de Fomento, Davi Depiné.

"É impressionante como a demanda por sustentabilidade antecede a conversa sobre o produto. Os compradores querem saber como é produzido, se vem de área indígena, para depois falar em negócio", disse Depiné ao Broadcast Agro. A Caramuru também conquistou clientes na Alemanha e na Grécia e espera, em breve, exportar para Vietnã, Indonésia, Malásia e Tailândia. "Já era para termos começado a fornecer para esses países, não fosse a pandemia de covid-19. Com clientes novos, é mais difícil negociar à distância", explica o executivo.

A Caramuru Alimentos deve atingir neste ano um faturamento próximo de R$ 5,9 bilhões, quase R$ 1,7 bilhão ou 39% a mais do que em 2019. Os produtos derivados de soja produzidos pela companhia foram responsáveis por 89% do total. O incremento neste ano virá, em boa medida, da valorização do dólar ante o real. Isso porque praticamente metade da sua receita, 49,1%, depende do mercado externo - daí, também, a necessidade de encontrar mecanismos para comprovar aos clientes estrangeiros que sua cadeia de fornecimento opera em conformidade com leis e critérios ambientais e sociais. Para 2021, a expectativa é de que a receita com as exportações, em dólar, aumente até 15%, ainda que a previsão para o faturamento total, de momento, seja de manutenção ante 2020 - a empresa opera próximo de 100% de sua capacidade de esmagamento. O acréscimo das exportações, diz Depiné, virá sobretudo dos novos clientes conquistados nos últimos dois anos e da venda de produtos de maior valor agregado .

Assim como outras companhias, a Caramuru aprendeu aos poucos como elevar os padrões de conformidade ambiental e social de suas operações. Em 2015, um grande cliente global contratou uma auditoria para verificar se seus fornecedores cumpriam o que determina a legislação ambiental e trabalhista e se adotavam boas práticas agrícolas. Na época, cerca de 40% dos produtores rurais que forneciam grãos para a Caramuru incorria em alguma "não conformidade", relacionada a questões trabalhistas, regras de estocagem de agroquímicos e combustíveis, estabelecimento correto de APPs (Área de Proteção Permanente) na propriedade e práticas de aplicação de defensivos e de manejo de solo. "Fornecedores que contavam com trabalho análogo à escravidão foram riscados da nossa lista; esta era a mais grave das não conformidades", lembra Depiné.

Para os demais, a Caramuru estruturou o Programa Sustentar, que dura até hoje. Foram organizados mais de cem treinamentos, internos e externos, nas sete regiões de atuação da companhia, envolvendo, além dos produtores, seus fornecedores e pessoal de assistência técnica. Também naquela época, a Caramuru começou a monitorar os dados publicados pelo Ibama e pela Repórter Brasil. No entanto, após dois anos de acompanhamento das informações, ficou claro que a quantidade de dados e a velocidade de atualização eram insuficientes para responder a clientes internacionais com o nível de transparência desejado. "À medida que implementamos o Programa Sustentar, observamos que havia necessidade de buscar outras informações, como embargos de CPF (de produtores), desmatamentos recentes, etc.", lembra o gerente de Agricultura da empresa, André Soares.

Em 2018, a Caramuru fez parceria com a Agrotools, agtech com soluções digitais de monitoramento da produção agropecuária que tem como clientes grandes empresas de finanças, insumos, agroindústria, varejo e outros segmentos. A partir de então, substituiu dados tabulados por mapas e informações sobre a localização exata das 14 mil fazendas geridas por 5.500 produtores rurais fornecedores, unidades de conservação e terras indígenas, ocorrência de trabalho análogo à escravidão, embargos de CPF (por exemplo, relacionados a desmatamento irregular, sem autorização de órgãos ambientais, ainda que em área permitida) e desmatamentos recentes na Amazônia Legal e Cerrado, por meio do projeto Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Na primeira peneira, no início do ano passado, quase todos os produtores estavam no nível mais básico da ferramenta da Agrotools, o "N0", o que significava que em seu cadastro constavam apenas o nome, CPF, município e nome da fazenda. "Não conseguíamos fazer uma análise ambiental da propriedade", pontuou Soares. Poucos, lembra ele, estavam no nível "N3", de quem havia apresentado algum documento ou croqui com coordenadas de localização da propriedade. De lá para cá, por meio de mais treinamentos nas diversas regiões em que atua, a Caramuru conseguiu fazer com que 74% dos produtores rurais fornecedores atingisse o nível máximo da plataforma, o chamado "N5". Nesta categoria estão produtores com CAR (Cadastro Ambiental Rural), Certidão de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e outros documentos emitidos pelo governo.

"A evolução foi rápida porque a comercialização da soja ocorre o ano inteiro. A cada compra nós fazemos uma consulta sobre quem vai nos fornecer o grão e forçamos a barra na equipe interna, para alertar ao produtor que, no próximo negócio, se ele não evoluir, nós não vamos comprar", conta Depiné.

O trabalho da Caramuru junto aos produtores não acaba quando eles alcançam o nível máximo da plataforma da Agrotools. Ao inserir no sistema o número do CAR do produtor, a empresa consegue verificar se sua propriedade se sobrepõe em alguma proporção sobre Unidades de Conservação ou áreas indígenas. Se há sobreposição, a empresa deixa de comprar do produtor, explica André Soares; se está em uma Unidade de Uso Sustentável, que permite a exploração comercial conforme alguns critérios, o produtor precisa apresentar seu plano de manejo à companhia.

"Se o agricultor disponibilizou o número do CAR para nós, ele vai para o N5, mas não necessariamente está atendendo a todos os critérios ambientais e sociais. Felizmente, dos nossos fornecedores que já atingiram o nível máximo, nem 5% têm algum problema que nos impede de comprar deles", diz o gerente da Caramuru. Ele lembra que, pela plataforma da Agrotools, não é possível verificar se produtores com irregularidades nas propriedades aderiram ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), porque os dados não são revelados pelo governo. "É importante lembrar que apenas o Estado do Acre vistoriou todos os CAR até agora", disse ele.

"Estamos trabalhando pesado para até o fim de março conseguir que 100% dos produtores fornecedores cheguem ao N5", comenta Depiné. "Buscamos mostrar para eles a importância de estarem ligados a um projeto como esse, com o cuidado de não assumir o papel de fiscal, porque isso afugenta. Nossos fornecedores nunca nos abandonaram por sermos exigentes", comentou o executivo. Quem atende a todos os pré-requisitos da Caramuru não recebe mais na negociação, mas acaba tendo prioridade em relação aos que estão na categoria anterior.

Hoje, dos 5.500 produtores fornecedores da Caramuru, aproximadamente 85% são de Goiás, cultivando soja, milho e, em menor quantidade, girassol; 12,2% estão em Mato Grosso (soja e milho) e 2,8% no Paraná (apenas milho).

Contato: clarice.couto@estadao.com
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